Topo

UOL põe Antonio Prata e Duvivier para debater humor na imprensa e na web

Mauricio Stycer

Do UOL, em Paraty

01/08/2014 06h00

Gregorio Duviver, 28, e Antonio Prata, 36, estão entre os escritores mais solicitados para eventos em Paraty durante a a Flip 2014, seja na programação oficial, seja em eventos paralelos. Eles são, hoje, os dois principais nomes da nova geração que mantém viva a crônica de jornal, um gênero com muita tradição no Brasil. Os dois publicam seus textos no jornal “Folha de S.Paulo” e, além de muita repercussão, frequentemente provocam polêmica com tiradas bem-humoradas e irônicas sobre temas do cotidiano.

Prata é autor de “Meio Intelectual, Meio de Esquerda” e “Nu, de botas”, entre outros livros de crônicas. Duvivier, que também é ator, humorista, poeta e integrante do Porta dos Fundos, vai publicar o seu primeiro livro de crônicas este ano, intitulado “Put Some Farofa”. Na quinta-feira (31), depois de ambos participarem de alguns debates na Flip, o UOL reuniu os dois cronistas para uma conversa sobre crônica, humor e literatura, entre outros assuntos. Foi a primeira vez que ambos debateram juntos.

Sobre a arte da crônica
Antonio Prata: Quando li a primeira crônica do Gregório, me senti reconfortado. “Cara, que legal! Tem alguém escrevendo crônica.” Eu me sentia muito solitário. A maioria dos escritores da minha geração escreve colunas opinativas. O Micheal Laub, o Daniel Galera... Não é pior, é outra coisa. Quando o Gregório chegou fazendo crônica, pensei: tenho um parceiro.

Gregório Duvivier: Quando a “Folha” me convidou para escrever, parti do mesmo princípio que usava ao escrever para teatro: pensar em personagens. Imaginar uma cena, um drama. De vez em quando caio na opinião, mas tento fugir ao máximo.

Prata: Mesmo quando você faz opinião, você faz com molho de crônica. Tem uma linguagem de crônica. Quando faço texto assim, mais de opinião, no dia seguinte sempre me arrependo. Penso que se eu tivesse mais tempo, poderia ter uma ideia para transformar isso numa crônica. E passar aquela mensagem melhor. Crônica nasce para divertir. Se a crônica não divertir, a gente é mandado embora. Mas acho que ela pode, além da diversão, dizer algo sobre o mundo.

Duvivier: Ao mesmo tempo em que tento fugir da opinião ao máximo, às vezes sinto a necessidade de levantar uma bandeira. A bandeira da maconha já levantei algumas vezes, a bandeira do ateísmo... São bandeiras em que as pessoas não saem do armário. O Brasil tem alguns armários. Acho legal sair. Tento contaminar a crônica, um pouco, com coisas que acredito. Não sou asséptico, não. A crônica quando é boa tem essa função: captar o espirito não de uma época, mas de uma semana. O texto do Prata sobre a Copa é um exemplo.

Prata: Quando você faz isso com humor, você está dando um alívio em áreas que as pessoas estão gritando. De repente, você faz com que a pessoa se encontre com o sentimento dela de uma maneira agradável. Eu posso não só ter uma opinião sobre a Copa, como posso gostar dessa opinião.

Duvivier: Uma crônica de jornal pode ser tudo. Pode ser diálogo, pode ser um desenho (o Millôr fazia isso). Ela pode contar tudo. Pode ser uma saga, um épico. A única restrição é o tamanho. Acho isso fantástico.

Prata: O meu texto, acho, tem muita influência do humor de TV americana. Quando fiz o texto “Guinada à direita”, achei que iam dizer que eu estava copiando o Stephen Colbert, que faz há cinco anos um personagem de direita. Talvez os nossos textos tenham mais influência do humor americano do que de cronistas brasileiros. Quando eu fui ler Rubem Braga, já escrevia crônica há cinco anos. Hoje em dia, Rubem Braga pra mim é um Deus. Sempre volto pra ele, mas não é um cara que está no meu DNA.

Duvivier: Compartilho também. E vejo isso nas suas crônicas, que tem uma influência desse humor, que não despreza o pop. Eu acho que um traço da nossa geração (acho que somos da mesma geração, embora eu seja leitor do Prata há muito mais tempo).

Porta dos Fundos
Prata: Acho que o Porta dos Fundos trouxe uma coisa que não havia há muito tempo no humor brasileiro que é rir pra cima, dar porrada pra cima. A hegemonia do humor brasileiro é rir de pobre. É uma coisa que vem degringolando. O pessoal do stand up, que é um gênero maravilhoso, só faz piada racista, machista, preconceituosa.

Duvivier: O que mais me faz rir é o que, junto com o riso, é revelador de alguma verdade. O riso é algo intelectual. Além de achar que não se deve fazer uma piada racista, também acho que não tem graça. Me incomoda. Gosto de humor surpreendente, Monty Python, humor que quebra a expectativa, que puxa o seu tapete, que você não sabe onde vai dar. Hoje em dia, no Porta dos Fundos, volta e meia a gente esbarra em questões limítrofes. Uma coisa que era intuitiva, hoje a gente precisa parar para pensar. Alguém escreveu um esquete em que a empregada mandava na patroa. Era uma alusão à lei das empregadas. Estava engraçado, mas ia parecer que a gente estava ridicularizando a lei das empregadas domésticas, que é muito legal. Mesmo que não seja, ia parecer que a gente estava dando uma porrada na lei. A gente tem o cuidado em não bater em quem não merece. Porque humor pode ser muito violento. Não vale a pena bater em certos alvos fáceis.

Prata: O impacto do humor que desnuda é muito mais poderoso do que o do humor que exclui. O humor que exclui tem um ranço... Quando você escreve um negócio se zoando e o cara se vê retratado ele fala: “Eu também tenho essa fraqueza!”. Vocês se irmanam na fraqueza. Essa é uma conexão poderosa. Eu fico muito puto com os humoristas quando eles falam “é só uma piada”. O cara que fala “é só uma piada” deveria ter cassado o seu brevê de humorista. Significa que ele não entende nada. Uma piada tem a mesma carga ideológica, o mesmo peso político que um texto de opinião. É um absurdo se escorar atrás dessa falsa premissa. “O pessoal não tem humor”... Você pode ser tão racista falando “os brancos são melhores que os pretos” quanto numa piada.

Quem é o leitor
Prata: Tirando casos excepcionais, eu sempre tento atingir o leitor que mais discorda de mim. Se eu escrever a favor da legalização do aborto, não quero que as pessoas que são a favor da legalização do aborto me aplaudam e que as pessoas que são contra o aborto fiquem bravas. Isso é fácil e burro. Eu tenho que chegar no outro, trazer esse cara para cá.

Duvivier: Parto sempre de algum incômodo e também de discordâncias. Mas escrever só por isso é um erro. Já escrevi alguns textos que não publiquei ao me dar conta. “Espera aí, isso é uma picuinha”. Estou escrevendo para uma pessoa específica, por causa de um texto que me deu ódio. É melhor mandar um e-mail. Ou nem isso. Quando tem um destinatário muito claro, não acho bom, também.

Ironia
Prata: Tem uma faixa que você pode oscilar, mas que é muito estreita. Se você servir moqueca para 100 pessoas, 15 vão ter diarreia. O sistema digestivo delas não estava pronto para aquela moqueca naquele dia. Não adianta mexer na receita da moqueca. Se você tirar o dendê, você vai acabar com a moqueca. A ironia é a mesma coisa. O texto “Guinada à direita” eu deixei o mais claro que eu pude que aquilo era uma ironia, mas se eu deixasse mais claro não seria mais ironia. Uma faixa não vai entender. Não sabia disso. Achava que todos fossem entender.

Duvivier: O barato da ironia é exatamente o fato de ela ser perigosa. Ironia é você dizer algo que você não está dizendo. É confiar no leitor para ele preencher os vazios com a inteligência dele. Você está na corda bamba. Adoro justamente por isso. Você está jogando um pôquer. Você desafia o leitor. Não é uma verdade.

Prata: E a verdade está aqui ou ali? Porque tem ironias também que você não está dizendo necessariamente “B” quando você diz “A”. É furta-cor. Você está dizendo “A” e “B”.

Jornal x internet
Prata: O jornal está na internet. Muita gente me lê pela internet. Senti uma diferença enorme quando a minha coluna mudou de quarta-feira para domingo. Pedi para voltar para quarta. Foi uma promoção ir para o domingo. Porque na quarta a pessoa lê o jornal no computador, no trabalho. E ela dá “like” e “share”. No domingo, a pessoa lê no café da manhã e não dá “like” e “share”. É um silêncio. Ninguém repercute.

Duvivier: O Porta dos Fundos é às segundas e quintas justamente por isso. São dias de semana. O papel talvez esteja condenado, mas o jornal vai continuar.

Prata: O jornal dá uma grande legitimidade. No mundo literário, tem quem diga: “Ah, é publicado no jornal, não é literatura”. Ao mesmo tempo, o próprio mundo literário fala: “É cronista da Folha de S.Paulo...” Tem um impacto muito maior do que se estivesse publicando estes textos de forma avulsa.

Rio x São Paulo
Duvivier: A maioria dos textos do Prata eu penso: gostaria de ter escrito esse texto. Não vejo essa diferença na crônica. Acho que no teatro tem. No cinema também. Acho que falam mais alto as nossas referências, que são as mesmas. A gente é da mesma turma, apesar de ter uma diferença de idade.

Prata: Vejo uma coisa no texto do Gregório, não sei se por ele ser carioca ou por ser mais novo. De um frescor de linguagem que eu invejo. Eu penso: “É assim que as pessoas falam, não é do jeito que estou escrevendo”. O Porta dos Fundos também tem isso. As pessoas falam desse jeito que aparece nas piadas.