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John Green diz que não compraria seu livro pela trama: "Parece deprimente"

08.mai.2014 - O escritor John Green autografa livros durante evento com fãs em Nashville, nos EUA - AFP
08.mai.2014 - O escritor John Green autografa livros durante evento com fãs em Nashville, nos EUA Imagem: AFP

Eduardo Graça

Do UOL, em Los Angeles

03/06/2014 06h00

No momento em que a adaptação de "A Culpa é das Estrelas" chega aos cinemas brasileiros, na próxima quinta-feira (5), quatro dos dez títulos de ficção mais vendidos no Brasil levam a assinatura de John Green. A doce e tragicômica história de amor entre dois jovens que se conhecem em um grupo de apoio para pacientes com câncer está no topo da lista, onde permanece há mais de 60 semanas. Mas também marcam presença "Quem é você, Alasca?" (de 2005), "Cidades de Papel" (2008) e "O Teorema Katherine" (2006). No total chegam a pouco mais de dois milhões de exemplares vendidos, um feito e tanto para o mercado brasileiro.

Capa de "A Culpa é das Estrelas", de John Green - Divulgação - Divulgação
Capa de "A Culpa é das Estrelas", de John Green
Imagem: Divulgação

Ungido pela revista "Time" como uma das cem pessoas mais influentes do planeta, Green, 36 anos, repete o feito nas listas de fição dos Estados Unidos e viu sua obra, em pouco menos de uma década, ser traduzida para 46 línguas. Números que fascinam a indústria editorial norte-americana e os estúdios de Hollywood, estes últimos cada vez mais interessados no filão batizado de filmes para "jovens adultos", cujos campeões de bilheteria são as franquias "Harry Potter" (US$ 2,3 bilhões), "Crepúsculo" (US$ 1,3 bilhões) e "Jogos Vorazes" (US$ 832 milhões). Todas fincadas na fantasia e em mundos mais ou menos distópicos, que pouco interessam a Green.

As histórias saídas da cachola do escritor casado com uma crítica de arte e pai de duas crianças, moradores do estado de Indiana, no coração da América Profunda, se passam invariavelmente nos Estados Unidos dos dias de hoje e retratam personagens sem super-poderes ou talento para a magia. Daí sua afirmação: "Relutei muito, mas muito mesmo, até concordar com a adaptação para o cinema de 'A Culpa é das Estrelas', pois esta era uma história muito importante para mim, pessoal, cujo lugares naturais me pareciam ser, respectivamente, minha memória e meu livro".

A história do livro, lançado nos Estados Unidos em 2012, agora chega embalada pelo filme em que Hazel toma a forma de Shailene Woodley (estrela de "Divergente") e Gus é encarnado por Ansel Elgort, um jovem ator talentoso de Nova York, mas pouco conhecido do grande público (é lembrado em geral justamente pelo papel do irmão de Woodley em "Divergente").


Inspiração para o livro
Foi a amizade com Esther Earl, a quem o livro é dedicado, que deu forma a "A Culpa é das Estrelas". Diagnosticada com um câncer na tireóide aos 12, a menina morreu quatro anos depois. Ela sonhava em ser escritora --no ano passado, uma coleção de suas histórias, com introdução de Green, foi publicada nos Estados Unidos com o título "This Star Won't Go Out"-- e os dois se conheceram em uma convenção de fãs de Harry Potter em Boston em 2009, um ano antes da morte de Earl.

O escritor já pensava em escrever uma história de amor sobre jovens adultos às voltas com doenças incuráveis desde que trabalhara como capelão --ele estudou para se tornar um ministro da Igreja Episcopal, protestante, mas abandonou o sacerdócio-- em um hospital infantil de Chicago. "A maioria das crianças com quem convivi estava no fim de suas vidas, mas o esboço inicial de minha história era duro e amargurado demais", ele lembra.

"Foi Esther quem me mostrou que adolescentes às voltas com uma doença tida como incurável são tão divertidos, cheios de questões sobre a vida, cínicos e atentos ao mundo à sua volta como qualquer outra pessoa daquela idade. Não teria como escrever o livro sem ter convivido com ela. Ela me mostrou algo fundamental: a de que uma vida curta também pode ser riquíssima. E que adolescentes são mais capazes de entender os sentimentos de seus próximos, jovens ou não, do que eu imaginava".

Condições para a adaptação
Óculos de aros finos, cabelo levemente arrepiado, camisa de botões quadriculada, o trintão com cara de menino parece o xerox de um dos bons moços que costuma retratar em seus livros. Fala com suavidade, não é fã de gestos bruscos e encara o interlocutor de frente, olho no olho. Discorre sobre as experiências "desagradáveis" que teve anteriormente em Hollywood, na tentativa fracassada de adaptações de "Quem é Você, Alasca?", pela Paramount, que jamais saiu do papel, e de "O Teorema Katherine", por um estúdio independente, que teve o mesmo fim.

O pior aconteceu com "Will & Will - Um Nome, Um Destino", livro lançado em 2010 costurado a partir da história de dois gêmeos: um homoafetivo e o outro, hétero. Um executivo poderoso deu o que acreditava ser um conselho "de pai para filho" para Green no encontro que sepultaria de vez a versão do livro para a tela grande: "Ela não vai acontecer. Só há uma coisa que Hollywood odeie mais do que filmes sobre adolescentes sabichões. Um filme sobre adolescentes gays sabichões".

Com razão, Green conta que passou a temer sobre uma versão visual estereotipada de "A Culpa é das Estrelas", "algo na linha do que a própria Hazel ironiza no livro, aquelas histórias mais melodramáticas". Nas conversas com a Fox, ele imediatamente estabeleceu as condições de quem acredita que "o mais inovador no universo audiovisual nos dias de hoje está na internet, não no cinema". "Não acreditava que eles iriam topar, por exemplo, que Hazel teria de usar, do início ao fim, um tubo no nariz.

Veja o trailer de "A Culpa é das Estrelas"

No livro, seu câncer já havia chegado aos pulmões e aquela seria a única maneira de ela respirar", conta. Demanda aceita, ele seguiu adiante: o filme não poderia carregar no sentimentalismo ou na exploração do drama do câncer. Teria de ser, em suas palavras, "inclusivo às pessoas que sofrem de doenças sérias".

A própria tentativa de compra dos direitos pela Fox, antes mesmo de o livro ser comercializado, o surpreendeu. Apesar da popularidade de suas obras anteriores, Green diz que jamais imaginou o fenômeno em que se transformaria "A Culpa é das Estrelas", alçada, pela revista "Entertainement Weekly", à categoria de "melhor história romântica da década".

"Não, não e não. Até porque se alguém me falasse da trama, do que acontece, não sairia correndo para comprá-lo na livraria da esquina. Tudo parece ser tão deprimente se olharmos de esguelha para a história de Hazel e Gus. Reconheço que este é meu livro mais bem-escrito, mas o imaginei lido por amigos, pela comunidade de escritores e críticos literários. Jamais imaginei que iria virar esta loucura. Meu trunfo foi apostar em uma história divertida, não-lacrimosa, sobre jovens apaixonados, porém doentes. Fugi do esquema da pessoa saudável aprendendo lições de vida da enferma que, por sua vez, morre no fim. Acho que isso me ajudou".

Atores e equipe técnica repetem, um a um, a mesma narrativa: para se chegar ao resultado final do filme, foi fundamental a presença constante de Green no set de filmagem, dando pequenos toques ou chorando copiosamente, em silêncio, do outro lado da câmera, enquanto via situações paridas em sua imaginação transformadas em cenas. Sua reação, conta, era a de quem "não acreditava que aquilo de fato estava acontecendo, ali, na minha frente".

Reinado na meca do cinema
Minutos antes de conversar com o UOL, Green trocou mensagens de texto com um leitor que sofre de uma doença até agora sem cura conhecida. Desde a publicação de "A Culpa é das Estrelas", esta é uma cena corriqueira no dia-a-dia do escritor. Foram os contatos com fãs que o ajudaram a fortalecer a certeza de que tratou da doença de dois jovens descobrindo o amor de forma eminentemente realista.
 
E a abstrair a imagem dos espectadores levando lenços, invariavelmente encharcados ao fim da projeção, para as primeiras cabines do filme. Embora não seja exatamente um "Love Story – Uma História de Amor" do século 21, o filme não tem medo nem de subir o tom de emoção nem de transformar personagens em quase-caricaturas, como o escritor Peter Van Houten, vivido por Willem Dafoe.
 
Com um orçamento de apenas US$ 12 milhões --uma pechincha para Hollywood-- "A Culpa é das Estrelas" já é visto como um possível marco no universo dos filmes para jovens adultos. Em entrevista à "Hollywood Reporter", o produtor de "Divergente", Pouya Shahbazian, foi direto: "Já recebi telefonemas de executivos interessados em produções menores, centradas em narrativas mais íntimas, que até outro dia eram impossíveis de sair do papel".
 
Os fãs do escritor não precisarão esperar muito para ir ao cinema assistir a outra adaptação de um de seus best-sellers. Sob a batuta do mesmo produtor deste "A Culpa é das Estrelas", Wyck Godfrey, a versão de "Cidades de Papel" terá Nat Wolff, que vive Isaac, o melhor amigo de Gus em "A Culpa é das Estrelas", no papel principal. E deve chegar aos cinemas em 2015. John Green, ao que parece, está apenas começando seu reinado na meca do cinema mundial.