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Shakespeare faz 450 anos e nós, humanos, temos tudo a ver com isso

O dramaturgo Willian Shakespeare (1564-1616) - Reprodução
O dramaturgo Willian Shakespeare (1564-1616) Imagem: Reprodução

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

23/04/2014 02h00

Há 450 anos, no dia 23 de abril de 1564, nascia em Stratford, na Inglaterra, William Shakespeare, escritor, poeta e dramaturgo que moldou o homem moderno. Pode até parecer exagero, mas não é. Essa é a tese que o crítico literário Harold Bloom defende. Para ele, somos o que somos hoje graças a obras como “Hamlet”, “Romeu e Julieta”, “Ricardo 3º”, “Sonhos de Uma Noite de Verão”, “A Tempestade”, “Rei Lear”, “Macbeth” e outras 31 peças e 154 sonetos do bardo inglês.

João Cezar de Castro Rocha, professor de literatura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, explica que essa influência vem principalmente de cenas que expõem a consciência dos personagens. Contudo, esse impacto de Shakespeare não está apenas no plano abstrato. “Ele transformou-se numa espécie de linguagem universal, à qual todos recorremos embora muitas vezes não saibamos identificar a origem das expressões que empregamos. A linguagem shakespeariana ajudou a formar a visão do mundo e a expressar sentimentos em diversos idiomas. Nesse sentido, a obra shakespeariana é uma espécie de laboratório da condição humana”, diz.

Tamanha influência provavelmente só foi possível porque Shakespeare viveu numa época em que o mundo começava a romper com o pensamento medieval, completamente focado em Deus, e passava a colocar o homem, com toda sua própria complexidade, no centro das questões. O escritor, então, encontrou um vasto universo interno para explorar em cada um de seus personagens.

Shakespeare também fomentou – e muito – sua língua-mãe, a inglesa. “Segundo os especialistas e historiadores, Shakespeare contribui com aproximadamente 2.000 palavras para o léxico do idioma. Em sua obra, não teria usado menos de 20 mil palavras! Isto é, o teatro shakespeariano ajudou a formar de maneira definitiva a própria língua inglesa. Portanto, quem fala inglês, mesmo sem ter consciência, em alguma medida, fala 'shakespeariano'”, explica Castro Rocha.

Um Shakespeare em cada esquina

Shakespeare foi casado e teve três filhos com Anne Hathaway - o nome, a propósito, serviu de inspiração para batizar a atriz de "O Diabo Veste Prada", nascida em 1982. Além de escrever, costumava atuar em algumas de suas peças. Morreu em 1616, mas ainda é fácil encontrá-lo por aí. Só na cidade de São Paulo, há ao menos quatro de suas tramas sendo encenadas (“O Mercador de Veneza”, “Ricardo 3º”, “Hamlet” e “Sonho de Uma Noite de Verão”).

Novos livros sobre o escritor surgem com frequência e até mesmo polêmicas em seu entorno são levantadas ou retomadas, como a dúvida sobre se ele realmente teria escrito seus textos, discutida com profundidade em “Quem Escreveu Shakespeare?”, de James Shapiro.

Indo além, Shakespeare serve de ponto de partida até mesmo para encararmos o atual cenário político do país. Castro Rocha explica que, por meio de peças como “Júlio César” e “Medida por Medida” podemos ter a noção da diferença entre interesses privados e públicos, daquele que governa para si mesmo e do que governa para uma nação. Já “Rei Lear” traz uma cena, na qual o rei divide o reino entre suas filhas, que remete à distribuição de benefícios e cargos políticos. Por último, aponta  “Ricardo 3º” como uma amostra do quanto o poder atrai as pessoas a procura de privilégios. “A reflexão shakespeariana sobre o poder e a política segue surpreendentemente atual”, enfatiza o professor.

A visão universal

Ainda em 2014, Castro Rocha publicará o livro “Culturas Shakesperianas?”, no qual partirá do texto de “A Tempestade”, reescrita por inúmeros autores a América Latina e que apresenta personagens que se transformaram em espécie de símbolo para a compreensão da região, para propor que “as culturas latino-americanas podem ser consideradas autênticas culturas shakespearianas”. Uma abordagem bastante original se levarmos em conta que o inglês produziu sua obra pouquíssimo tempo depois dos europeus chegarem à América, sem que a história pós-colombiana do continente já tivesse ganhado corpo.

Essa linguagem que parece atingir a todos pode aproximar a obra de Shakespeare até mesmo das narrativas mitológicas. “É possível estabelecer uma relação da obra dele com a mitologia, enquanto narrativas simbólicas que norteiam várias esferas da vida humana. A produção shakesperiana dialoga tanto conosco ainda hoje porque aponta caminhos pedagógicos sobre o ciclo de vida do indivíduo, sociológicos e cósmicos, no sentido de sugerir como o ser humano pode dialogar com o espaço natural que o circunda”, defende Monica Martinez, PhD em Narrativas Digitais e co-criadora do Núcleo Granja Viana da Joseph Campbell Foundation, organização que incentiva as pesquisas e os estudos da mitologia a partir da obra do mitólogo Joseph Campbell. “No fundo, Shakespeare nos lembra que, apesar de todo nosso universo tecnológico, ainda somos aqueles seres que sabem pouco sobre quem são e para onde vão”, completa Monica.