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Livros "dos tempos da escola" sobrevivem de geração a geração

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

17/04/2014 05h10

Calú, Magrí, Crânio, Chumbinho e Miguel são Os Karas e precisam impedir que Doutor Q.I. aplique sua droga em jovens de colégios paulistanos. Edmundo, Bolachão, Berenice e Pituca, a Turma do Gordo, precisam descobrir quem anda falsificando figurinhas. Há também aquele menino meio maluco, que vive com uma panela na cabeça e só quer saber de criar confusão. Às vésperas do Dia Nacional da Literatura Infantil, comemorado nesta sexta-feira (18), aniversário do escritor Monteiro Lobato, a reportagem do UOL foi investigar: por onde será que anda esse pessoal?

Na ordem, os personagens acima protagonizam “A Droga da Obediência” (Pedro Bandeira), “O Gênio do Crime” (João Carlos Marinho) e “O Menino Maluquinho” (Ziraldo). Ao lado de títulos como “O Rapto do Garoto de Ouro” (Marcos Rey), “Marcelo, Marmelo, Martelo” (Ruth Rocha) e “O Meu Pé de Laranja-lima” (José Mauro de Vasconcelos), todos eles são clássicos da literatura infanto-juvenil brasileira, ocupam um lugar especial na memória afetiva de leitores das mais variadas idades, e, para alívio dos saudosistas, ainda fazem sucesso entre crianças e adolescentes. Ao menos é o que garante a livreira Maria Luiza Souto, a Malu, dona da Cia Ilimitada, livraria destinada ao público infantil e juvenil. “Apesar do barulho causado por algumas novidades, os clássicos continuam  sendo bastante vendidos. É comum que eu receba pais procurando livros de sua infância para que seus filhos também possam lê-los. Há também muitos jovens que conhecem algum autor, como Pedro Bandeira, na escola e depois querem ler outras obras dele.”

Bandeira, aliás, luta para que Os Karas, que protagonizaram também “Pântano de Sangue”, “Anjo da Morte”, “Droga do Amor” e “Droga de Americana”, permaneçam em evidência. “Há anos continuo tentando revivê-los, renascê-los, mas essa é uma tarefa difícil porque, quando eles 'nasceram', em 1984, tudo era diferente: não havia celular, Facebook, Google, internet, tablet, computador pessoal... Como escrever uma aventura atual, sem lançar mão disso tudo? Mas eles estão muito 'vivos', pois os livros atualmente vendem ainda mais do que no lançamento”, diz.

Quem também continua viva é a célebre coleção Vaga-lume, da Editora Ática, que atualmente já soma 68 títulos. Por ela foram lançados grandes nomes da literatura nacional, como o próprio Marcos Rey (autor também de “Corrida Infernal”, “O Mistério do Cinco Estrelas” e “Na Rota do Perigo”, dentre outros ), Maria José Drupa (“Éramos Seis”) e Marçal Aquino (“A Turma da Rua Quinze”). Seus livros são facilmente encontrados em livrarias e permanecem sendo adotados por professores nas salas de aula.

Transformação
Como já apontado por Bandeira, contudo, é inegável que a literatura infanto-juvenil acompanhe as transformações do mundo nas últimas décadas. “Acho que gradativamente perdeu-se um pouco da ingenuidade. E isso não é uma crítica. Com isso, o gênero ganhou mais leitores e cresceu. Nos últimos 20 anos, sinto que o infanto-juvenil deixou de ser coadjuvante para virar protagonista”, diz Ana Lima, editora executiva da Galera, braço da editora Record. Um exemplo desse amadurecimento é apontado pela própria Ana. “Apesar de eu não gostar muito desses rótulos, afinal, existe a boa literatura, que serve para pessoas de qualquer idade, no ramo juvenil dois gêneros têm se destacado: o contemporâneo e a fantasia. Do primeiro, acredito que  'Will & Will', de John Green e David Levithan, tenha sido o primeiro romance com  gay a fazer um sucesso tão grande no Brasil. E como é bom ver 40 mil leitores elogiando e pedindo mais”.

Isso vai de encontro à forma que Bandeira encara seu ofício atualmente. Como produz uma literatura de formação, tem “a responsabilidade de agradar sempre, de modo a conquistar a criança, o jovem, para o prazer de ler. Se formos chatos, adeus!”, garante. Para que se alcance esse objetivo, o contato permanente com as questões atuais que envolvem a juventude é essencial.



Outro ponto importante é apontado por Marcelo Maluf, autor de “As Casas” e organizador de “Era Uma Vez para Sempre...”. “Há uma liberdade por parte de alguns autores em explorar temas antes tidos como 'proibidos', com resultados maravilhosos. Essa mudança talvez aconteça porque escritores compreenderam que a literatura chamada infanto-juvenil deve ser escrita com o mesmo cuidado dedicado aos textos para adultos. O maior desafio de quem escreve para pequenos leitores é não subestimá-los, muito menos soar com alguém que quer ser criança. É preciso escrever sendo você mesmo com sua idade, mas se comunicando de maneira generosa.”

Mas essa liberdade de temas, confluência e divergência de ideias e amadurecimento do gênero muitas vezes fazem com que crianças ou jovens queiram dar um passo além daquilo para que estão preparados. É o que entende Malu. “Já recebi mãe com filha de nove anos que queria comprar 'Crepúsculo'. Expliquei que aquilo não era para a idade dela e indiquei outro livro. Muitas vezes a criança não entende o que está lendo, mas aquilo fica na cabeça, então é preciso ter cuidado na hora de indicar as obras”, explica.