Topo

Publicitário premiado lança ficção inspirada na mitologia dos orixás

Publicitário PJ Pereira durante jantar oferecido por Nizan Guanaes para o lançar "O Livro do Silêncio" - Bruno Poletti/Folha Press
Publicitário PJ Pereira durante jantar oferecido por Nizan Guanaes para o lançar "O Livro do Silêncio" Imagem: Bruno Poletti/Folha Press

Carlos Minuano

Do UOL, em São Paulo

11/12/2013 17h07

Após crescer murado e marcado por um mar de preconceito, entre Ipanema e Leblon, fugindo de todo tipo de ‘macumba’ e despachos de Réveillon, o publicitário brasileiro PJ Pereira decidiu confrontar antigos temores e interrogações e mergulhou de cabeça no universo dos orixás.

O resultado está nas páginas da ficção pop “Deuses de Dois Mundos - O Livro do Silêncio” (Da Boa Prosa), primeiro livro de uma trilogia inspirada em uma pesquisa de dez anos sobre intrigantes e misteriosas lendas de deuses e entidades.

Em sua imersão, o autor descobriu uma mitologia rica que o fez não apenas mudar de opinião sobre o mundo dos terreiros, mas se lançar numa empreitada de coragem: escrever um livro para trazer ao grande público um pouco dessa cultura. Um universo ainda desconhecido e negado a muitos por uma intolerância histórica que até hoje assombra tradições de matrizes africanas e indígenas.

Carreira singular

Com a habilidade de quem já conquistou mais de cem prêmios internacionais, incluindo um Emmy e três Grand Prix no festival de Cannes em 2013, PJ Pereira extraiu do universo do candomblé uma aventura fantástica, cheia de magia e suspense que não deixa nada a desejar às mitologias nórdica e grega. Mas a tarefa não foi fácil.

Escritor estreante, ele conta que enfrentou resistência por parte de editores no início. “O que me manteve firme ao longo de uma década foi que eu sabia que essa história, inspirada no meu próprio preconceito, poderia ajudar a diminuir o dos outros”, observa Pereira.

Co-criador da Agência Click, ele aproveitou o espírito colaborativo que empregou na premiada websérie "The Beauty Inside" - projeto feito para a Intel que propõe uma reflexão sobre como seria a vida se acordássemos todos os dias com um corpo diferente - para produzir seu "Deuses de Dois Mundos". Em um perfil coletivo, reuniu cerca de 150 pessoas em diferentes áreas de atuação. “Toda essa gente transformou meu trabalho em algo muito maior”, escreve Pereira no capítulo de agradecimentos.

Crise no mundo dos orixás e das corporações

A trama central do livro de PJ Pereira mistura uma crise no mundo dos orixás com os bastidores do mundo corporativo em um grande centro urbano. O autor entrelaça um thriller de toques místicos com uma aventura repleta de fantasia na África ancestral. São esses os dois mundos do título da série.

Na São Paulo de 2001, um caso de sabotagem industrial. Na África mítica, um aterrador impasse atormenta divindades ancestrais. Cenários e personagens distintos que gradualmente se fundem. De um lado, o personagem central, o jornalista ambicioso New Fernandes, do outro, Orunmilá (também conhecido por Ifá), o maior adivinho de todos os tempos, que tem sua vida mudada quando os búzios se calam.

Reprodução
Do meio da floresta, o adivinho se concentrou. Jogou os búzios. Todos os 16 emborcados numa sinistra mensagem repetida: silêncio. Mais uma vez ele tentou, e novamente nada se ouviu. Desistiu. Pelo menos por enquanto.

Trecho do livro "Deuses de Dois Mundos"

O autor conecta o drama de seu livro com o mundo moderno digital. Com o silêncio dos oráculos dos adivinhos africanos, orixás param de indicar a cura das doenças ou revelar culpados de crimes. “Imagine se a internet parasse de funcionar sem explicação”, compara PJ Pereira. “O mundo todo pararia. O pânico seria similar ao que sentiram os personagens do livro quando sua comunicação com os deuses emudeceu”.

As misturas em “Deuses de Dois Mundos” são ricamente temperadas e apimentadas com equilibradas doses de sexo e dicas gastronômicas. Enquanto os adivinhos antigos se deleitam com pratos típicos como milho, acarajé, pirão e outros quitutes, o personagem central da trama se diverte com um cardápio mais moderno e ocidentalizado.

As receitas são detalhadas nos e-mails trocados por New com um desconhecido e silencioso interlocutor, que supostamente o ajudaria a decifrar uma série de eventos místicos que começam a ocorrer em sua vida. Pratos como costeleta de vitela regada ao molho de vinho com cebolas caramelizadas e farofa de alcachofra são servidos sem pudor antes do sexo.

Outra marca forte nas páginas de “Deuses de Dois Mundos”, é a narrativa dinâmica, cheia de imagens, que dá ao leitor a sensação de estar diante de um filme. “Escrevo imaginando as cenas acontecendo, acho que minha experiência produzindo conteúdo em vídeo ajudou a fazer com que esse universo pudesse ser descrito de uma forma acessível”, comenta o autor.

Apesar das muitas fusões criativas em seu livro, JP Pereira afirma ter sido pautado todo o tempo por um profundo respeito ao universo dos orixás e às tradições religiosas que pesquisou. E garante ter recebido a chancela do além para sua empreitada. “Quando estava fazendo as entrevistas com o povo do santo, algumas pessoas me disseram que foram autorizadas pelos orixás a me contarem as historias”.

Macumba pop

E quando souber o que aconteceu, lembre-se do que estou dizendo agora: nada do que fiz foi por mal. Apenas reagi de uma forma atrapalhada diante do completo desconhecido. Afinal, nos últimos meses, fui jogado num mundo em que nunca acreditei e onde, portanto, não saberia como me comportar. Um mundo de feitiços e feiticeiras, de guerreiros e adivinhos, em que vi o futuro ser apagado diante de meus olhos sem que eu jamais tivesse pedido por isso. Onde me obrigaram a decidir pelo destino de uma gente que eu nem sabia quem era.

Trecho do livro "Deuses de Dois Mundos"

Seja por auxílio de forças invisíveis do além, ou fruto do talento inegável do autor, o fato é que a ‘macumba pop’ do badalado publicitário deu certo. Logo após o lançamento, ele já comemorava os números nas redes sociais: em uma semana, mais de mil exemplares vendidos. Mas, na verdade, o sucesso começou bem antes.

O primeiro título da série ainda não tinha chegado às livrarias quando o escritor estreante vendeu os direitos de “O Livro do Silêncio”. A adaptação para cinema, televisão, quadrinhos e toda a franquia da trilogia está nas mãos da The Alchemists (Heroes e Smallville). Um dos sócios da empresa é o carioca Mauricio Mota, neto de Nelson Rodrigues. A produção no Brasil e nos EUA será feita pela Disruption Entertainment (“Circulo de Fogo” e “Supremacia Bourne”).

A venda envolveu uma negociação de requinte cinematográfico. “Comecei a falar do livro no Facebook, e logo vi 10 mil pessoas falando do assunto”, lembra Pereira. Ajudou a alavancar o negócio, um bem sucedido book trailer, narrado por Gilberto Gil, que já ultrapassou a marca de 100 mil visualizações no You Tube.

A animação com pegada semelhante aos filmes “300” e “Sin City” foi feita pela produtora de Los Angeles Laundry Design, com direção de Anthony Liu. A trilha também é de um time de peso, Otto, Andreas Kisser (Sepultura) e Pupillo (ex-Nação Zumbi). “Quando postei o trailer a coisa explodiu", diz o publicitário.

Segundo ele, um amigo, que tem uma produtora em Hollywood, viu a barulheira e veio perguntar. “Pediu pra ver os manuscritos, eu mandei, sem esperar muito, achava que ele queria ler e pronto”. Depois de uma semana, ele escreveu de volta – prossegue.

“Disse que havia dado o livro para 16 pessoas darem o parecer sobre a viabilidade como filme ou série de TV e todos disseram sim”, conta. A surpresa veio em seguida, no melhor estilo hollywoodiano. “Ele falou que a proposta estava na mesa até o dia em que o livro fosse lançado, me senti num filme, e fechei o contrato imediatamente, pra ter essa historia pra contar para o resto da vida”.