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Festival de Biografias é encerrado com leitura de manifesto anticensura

O escritor Lira Neto lê manifesto anticensura no final do Festival Internacional de Biografias, em Fortaleza - Henrique Cardozo/Divulgação
O escritor Lira Neto lê manifesto anticensura no final do Festival Internacional de Biografias, em Fortaleza Imagem: Henrique Cardozo/Divulgação

Carlos Minuano

Do UOL, em Fortaleza (CE)

17/11/2013 22h17

A primeira edição do Festival Internacional de Biografias foi encerrada neste domingo (17), em Fortaleza, com a leitura de um manifesto em apoio às biografias não autorizadas. Assinada pelos 12 biógrafos que participaram do festival, o documento declara apoio irrestrito à Ação Direta de Inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil e ao projeto de lei 393/2011, de autoria do deputado federal Newton Lima (PT-SP), que pretendem abolir a censura prévia imposta a biografias e demais manifestações culturais, acadêmicas e jornalísticas.

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"A legislação em vigor transformou nosso país na única grande democracia do planeta a consagrar a censura prévia, em evidente afronta aos princípios de liberdade de expressão e direito à informação, conquistados com a Constituição de 1988”, diz trecho da carta, que foi lida pelo jornalista cearense Lira Neto. O manifesto será encaminhado à ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Carmen Lúcia, relatora da Adin.

A última noite do evento na capital cearense teve ainda bate-papo sobre personagens, com os jornalistas Lira Neto e Guilherme Fiuza, e homenagem ao documentarista Silvio Tendler, mediados pela jornalista Josélia Aguiar, que está escrevendo a biografia de Jorge Amado. Ambos falaram sobre os estreitos e sinuosos caminhos que escritores tomam à procura de seus personagens. A escolha por personagens improváveis surgiu como ponto em comum entre os jornalistas Lira Neto e Guilherme Fiuza.

Cearense, de Fortaleza, Neto já escreveu sobre trajetórias tão distintas quanto intensas, como as de Padre Cícero, Getúlio Vargas, Maysa e José de Alencar. Segundo ele, dois fios condutores unem todos. "Por um lado, todos são controversos, ambivalentes, foram amados e odiados". Outro foco do escritor é o poder, que está, aliás, no título, ou subtítulo, de três livros que escreveu. "Não foi uma escolha voluntária, mas todos os meus livros tratam desse tema", diz.

O jornalista citou alguns dos seus personagens, que escolheu por despertar reações extremas. Caso, por exemplo, de José de Alencar, escritor que ele cresceu odiando por ter sido obrigado a ler na escola. "Descobri depois outro José de Alencar, sarcástico, polemista, é sobre esse que escrevi", afirmou.

Outro citado foi Padre Cícero. "Sou agnóstico, mas ele provocou em mim questionamentos, tem uma história inacreditável, era um padre obscuro em um povoado com  pouco mais de 30 casas, e se tornou um mito. Metade ama, outra odeia, e embora não reconhecido pela Igreja Católica, foi canonizado pelo povo", observa Lira.

Autor acidental

O autor das biografias de Gianecchini, Bussunda e do ex-traficante João Estrela, Guilherme Fiuza, se descreveu como um autor acidental. "Nunca tive muitos planos, mas venho do jornalismo, gosto de escrever, sempre procurei jeito de fazer isso de forma mais aprofundada", diz. Ele afirma que ao escrever busca menos informar do que divertir. "Procuro a novela que existe na vida das pessoas, o que tem de emoção nelas", disse. Ele afirma que no caso de seus biografados, traço comum são vidas improváveis. "Bussunda, por exemplo, era um vagabundo, ninguém dava nada por ele antes de ficar famoso", afirmou.

Polêmica sobre biografias

"O debate sobre biografias é um dos mais ignorantes que já vi", ressalta Fiuza. "Direito à privacidade e liberdade de expressão são dois princípios que podem conviver perfeitamente em harmonia numa sociedade saudável", disse. Em seu blog sobre política, conta que se depara com frequência com comentários citando informações mentirosas a seu respeito, mas afirma que nem apaga comentários. "O melhor detergente é a luz do sol, deixo correr e espero o discernimento das pessoas", diz.

Lira Neto também ressaltou que debate sobre biografias não autorizadas segue na contramão, e que invasão da privacidade de personagens é inerente ao ofício. "Biografia é o olho no buraco da fechadura, tem que entrar na intimidade, ou então melhor fazer outra coisa, vai escrever ensaio, ficção", afirma o escritor.

Leia a íntegra da carta:

"Carta de Fortaleza

Os biógrafos reunidos no 1º Festival de Biografias, em Fortaleza, vêm a público manifestar apoio irrestrito à Ação Direta de Inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), ajuizada no Supremo Tribunal Federal pela Associação Nacional dos Editores de Livros, e ao projeto de lei 393/2011, de autoria do deputado federal Newton Lima. As duas bem-vindas iniciativas pretendem abolir a censura prévia imposta a biografias e demais manifestações culturais, acadêmicas e jornalísticas.

A necessidade de autorização prévia converteu-se no Brasil em constrangimento e impedimento à produção não apenas de biografias, mas de qualquer trabalho de não ficção que trate de política, artes, esportes e outros aspectos da vida nacional.

Esse instrumento de censura _os artigos 20 e 21 do Código Civil_ já retirou de circulação ou ergueu obstáculos à difusão de livros, filmes, canções, teses acadêmicas, programas de televisão e obras diversas. São atingidos historiadores, documentaristas, ensaístas e pesquisadores de modo geral, além do jornalismo e, sobretudo, a sociedade brasileira.

A legislação em vigor transformou nosso país na única grande democracia do planeta a consagrar a censura prévia, em evidente afronta aos princípios de liberdade de expressão e direito à informação conquistados com a Constituição Cidadã de 1988.

Alguém já disse que, antes de virar a página da história, é preciso lê-la. Para ler, pesquisar e narrar, a liberdade é imprescindível.

Nós, que vivemos sob a censura imposta pela ditadura instaurada em 1964, recusamo-nos a aceitar agora formas de cerceamento da livre manifestação de ideias e relatos históricos. O conhecimento da própria história é um direito dos brasileiros.

Confiamos no espírito democrático e republicano dos congressistas do Brasil e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Fortaleza, 17 de novembro de 2013

Fernando Morais
Guilherme Fiuza
Humberto Werneck
João Máximo
Josélia Aguiar
Lira Neto
Lucas Figueiredo
Luiz Fernando Vianna
Mário Magalhães
Paulo César de Araújo
Regina Zappa
Ruy Castro"