"Roberto Carlos é um censor nato", diz Ruy Castro em festival de biografias
“Roberto Carlos é um censor nato”, dispara o escritor Ruy Castro no debate desta sexta, 15, no segundo dia do Festival Internacional de Biografias. “Ele censura a si mesmo, vetou o primeiro disco, proibiu a própria música porque fala de inferno, e não deixa nem que toquem perto dele”, afirma o escritor que já foi processado pelo rei.
O motivo teria sido algumas informações apuradas por Castro, consideradas ofensivas por Roberto Carlos. O texto destacava as muitas manias do cantor. “Ninguém pode chegar perto dele com roupas da cor marrom, o médico que for atendê-lo não pode levar maleta preta, tem que ser azul”, descreve.
Falava também das artistas com quem o rei tinha se relacionado, entre elas a cantora Fafá de Belém. “É o único cara que processou alguém por ter sido chamado de garanhão”, diz. “Fafá de Belém declarou depois que achou ótimo ter transado com o rei, e ainda ter isso noticiado”, completa.
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Sobre o Procure Saber, e o argumento do grupo de que biógrafos invadem a privacidade e provocam danos ao artista, Castro questiona: “Que livro é esse?”. Ele também se referiu ao compositor Jorge Mautner, que disse ao Observatório da Imprensa que publicações não autorizadas podem ser danosas às famílias de artistas, sujeitando que filhos, por exemplo, sofram bullying.
O biógrafo ressalta em seguida que há algo mais por trás desse imbróglio, envolvendo o grupo Procure Saber. “Os artistas entraram nessa por causa de um acordo entre Paula Lavigne e Roberto Carlos”, entrega. O escritor explica o pacto. “Ela convenceu o cantor a entrar na guerra contra o Ecad, e a integrar um lobby em Brasília, com a condição de envolver o grupo de artistas na causa de Roberto contras as biografias”, afirma.
“Só não contavam que fossemos eficientes com nossas únicas armas, as palavras e a informação”, argumenta. “Também não imaginavam que a opinião pública, tão manipulada por esses artistas há décadas, se voltasse contra eles, tropeçaram nas próprias pernas, sem trocadilho”, alfineta Castro, que logo em seguida, emendou que a biografia proibida de Roberto Carlos, escrita por Paulo Cesar de Araújo “precisa ser reescrita para incluir esse episódio lamentável”.
Ciência e a arte biográfica
A ciência e a arte biográfica foi o tema de debate com o escritor Ruy Castro, mediado pelo jornalista Mário Magalhaes, que abriu o segundo dia do festival internacional de biografias, em Fortaleza. “Ruy Castro é um dos autores com mais leitores que nós temos no Brasil”, afirmou Magalhães, que também é curador do evento.
O escritor premiado é autor de perfis de personagens que marcaram períodos históricos do Brasil, como “O Anjo Pornográfico”, sobre Nelson Rodrigues e de “Carmem”, sobre a Carmem Miranda. E para quem quer ser biógrafo, ele oferece um curso, que leva o nome do debate em Fortaleza.
Para ele, as palavras ‘ciência’ e ‘arte’ resumem a categoria literária na qual ele trafega com maestria. “É ciência porque pode ser ensinada e aprendida, as pessoas podem absorver essa parte mecânica, mas também é arte porque só ciência não é o bastante, o empenho e a dedicação para não abandonar uma informação procurada por anos, isso não se ensina, você nasce com isso”, define.
Ruy Castro dá uma canja de seu curso, e arrisca uma receita para quem quiser se tornar um biógrafo de verdade. “Se houvesse um curso de biografias na universidade, teria que incluir aulas de jornalismo, para o sujeito aprender a se preparar para uma entrevista, a compor uma pauta, para aprender a fazer perguntas e, sobretudo ouvir as repostas, e a pegar essas informações e transformar em arquivos para usar depois”. Mas não é tudo.
“Um grande repórter não se torna necessariamente um bom biógrafo, precisa aula de história, pois o processo de captura de informação envolve conhecimento sobre desdobramentos históricos”. O escritor cita um de seus biografados, para ampliar sua explicação. “Não dá pra falar do Nelson Rodrigues, sem conhecer os processos históricos em torno do teatro dele, do tempo e da história que ele viveu, essa cultura geral é fundamental”.
A receita de Ruy Castro para futuros biógrafos sugere ainda um curso de letras. “Biografia demanda charme, humor, requinte literário para usar a informação de modo que sejam digeridas de forma mais prazerosa pelo leitor”, justifica. Para ele, arcabouço cultural pode e deve interferir na escrita, desde que não macule a sacralidade da informação.
“Biografias não podem ter ficção”
Para Ruy Castro, autores não podem misturar ficção na historia de biografados. “Biografia trabalha com informação, e o autor tem tempo para apurar isso”. Ele defende que, por mais complexa e difícil que pareça, toda e qualquer informação pode ser encontrada. “Qualidade do biógrafo é justamente seu talento para descobrir informações, não pode inventar”, decreta. “Graça está em descobrir, mesmo que seja para uma linha ínfima do texto que não vá fazer a menor diferença para o leitor”.
Ele cita a biografia de Nelson Rodrigues, na qual reproduziu o cenário das redações da época. “Retratei principalmente o ambiente do jornal do pai do Nelson, para isso tive de encontrar pessoas que ainda estavam vivas e que foram contemporâneas do pai dele”, revela.
Ruy Castro se orgulha de ter conseguido uma descrição física minuciosa das redações. E cita um exemplo. “Havia uma escarradeira, muito usada por todos no jornal, e eu, que já tinha descoberto a marca da tinta usada nas penas pelos jornalistas, resolvi que tinha também de descobrir a marca da escarradeira”.
A ficção documental de Ruy Castro
O apuro rigoroso também está presente na ficção de Ruy Castro. Ele se tornou ficcionista quando recebeu convite da Companhia das Letras para escrever romance em torno de algum personagem. ”Eu escolhi me concentrar no começo do século, na cidade do Rio, e usar como personagem, o Olavo Bilac”.
Por não saber inventar, pesquisou durante um ano aquela época, revirando costumes, gírias e histórias. “Inventei uma ficção sobre um documentário muito bem elaborado”. Mas ele garante que a tarefa deu trabalho. “Não foi fácil inventar uma história, sempre fui balizado pela realidade, me questionava se Bilac faria o que escrevi no livro”, indaga o escritor.
Música e livros
No debate Ruy Castro falou um pouco sobre sua vida no Leblon. De acordo com ele suas pesquisas envolvem invariavelmente ler um bocado, mas também ouvir muitas músicas. “Estou com uma coleção de vinis com 3 mil discos, mas quero ter todos que já tive, e não tenho mais, que quis ter, ou que quero ter e ainda não comprei”. Na casa dele, atualmente são necessárias onze estantes para abrigar cerca de 20 mil livros – de acordo com cálculos de um amigo. “Entre eles, 2 mil somente sobre o Rio”, detalha o escritor.
Ele não fala sobre um novo projeto no qual está trabalhando, diz que está na expectativa de que saia uma decisão do STF favorável às biografias não autorizadas. “Caso contrário paro de escrever biografias”.
Entretanto ele adianta que está ocupado com outra reconstituição histórica. “É uma época muito importante do Rio, estou muito empolgado com isso, me fez voltar à rua, estou invadindo a privacidade de muita gente, mas estão adorando isso, não querem é ficar esquecidos como estão”, declara. “Seria um Bueno Vista Social Club carioca”, questiona o jornalista Mario Magalhaes. Depois de um rápido momento pra pensar, Ruy Castro responde: “Melhor”.
A noite desta sexta teve ainda a exibição do filme “Jards”, de Erik Rocha, seguido de debate com o diretor da cinebiografia do artista Jards Macalé. Fechou o segundo dia do festival, show da banda “Leite de Rosas e os Alfazemas”, e um cover bem oportuno do sumido cantor e compositor, Belchior. O Festival Internacional de Biografias, que segue até domingo, 17, no Estoril, espaço cultural na Praia de Iracema, em Fortaleza, tem também feira de livros e a exposição “Por Entre Biografias”, com painéis que homenageiam artistas como Frida Khalo e Picasso.
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