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Livro do Porta dos Fundos funciona até para quem não viu seus vídeos

David Butter

Colaboração para o UOL, do Rio

16/08/2013 06h00

O audiovisual desafia as tentativas de fixá-lo na escrita. Na maioria das vezes, o resultado da adaptação é uma carcaça, uma forma descarnada de expressão que só lembra o original no título --e olhe lá! Isso quando não vira um almanaque insosso ou uma expansão meio torta do conceito para algo como a "Turminha do Vídeo".

O livro do coletivo Porta dos Fundos consegue escapar dessa armadilha ao apostar em um elemento básico da criação: o roteiro. É em torno do roteiro que se resolve a compilação de 37 esquetes do grupo, amarradas numa edição bem cuidada. Escritas, as histórias funcionam bem tanto para quem viu os vídeos, quanto para quem não viu.

  • Divulgação

    Capa do livro "Porta dos Fundos" (2013)

O Porta dos Fundos se define como um "coletivo que produz conteúdo audiovisual voltado para a web com qualidade de TV e liberdade editorial de internet". No livro, as marcas do grupo estão nas notas introdutórias de cada roteiro, que ajudam a explicar um pouco do processo criativo deles: um exercício de crítica, encorajamento e descarte.

Enquanto a tal "qualidade de TV" só pode ser mais bem apreendida no vídeo (boa direção, boa luz, boa captação de áudio etc), a "liberdade editorial de internet" se reflete no livro na diversidade de forma e de conteúdo dos roteiros, muito influenciados por Monty Python.

Identificação
Cada roteiro vem assinado pelo seu titular. A ideia é boa porque ajuda a identificar a marca de cada um dos integrantes no produto final. Assim, sabemos que Gabriel Esteves responde pelos episódios com as maiores (e mais bem resolvidas) quebras de expectativa ("Amante" e "Voyeur"). Fábio Porchat aparece como o roteirista das histórias que fizeram o Porta explodir, inclusive como modelo de negócio ("Na Lata" e "Spoleto").

Gregório Duvivier é o cara dos melhores diálogos ("Entrevista" e "Minuto da Marmota"). Antonio Tabet e Ian SBF circulam por tudo, e dominam o humor de referências ("Setor de RH: Supergêmeos", de Ian, e "Sobre a Mesa", de Tabet). Fica claro, à medida que se avança na leitura, que o universo do Porta não existiria sem esse mosaico, do qual também faz parte João Vicente de Castro.

Em tempos de coletivos que "ressignificam e desmonetizam" em nome da exaltação de lideranças carismáticas ou da empulhação, é bom marcar em papel o exemplo de um coletivo que deu certo. É neste sentido que o livro do Porta dos Fundos importa: por fixar num suporte físico uma experiência bem-sucedida no digital, como uma espécie de documento da nossa história instantânea.

Para quem quer entender melhor como se articulam roteiros de humor, essa é uma boa pedida. Para quem estiver buscando uma janela para entender como a internet brasileira saiu dos "mamilos polêmicos" para a produção audiovisual de qualidade, também. Cada QR Code (código de barras digital) inserido junto ao título do roteiro leva ao link do vídeo correspondente. Com celular ou tablet à mão, a leitura ganha outra dimensão.

Faltam notas de direção (essenciais para completar o como-se-faz do Porta dos Fundos) e sobram páginas com combinações testa-zarolho (do tipo roxo-escuro e letra preta), mas ainda assim: a bandeira do Porta dos Fundos está bem representada neste livro destinado ao Olimpo dos amigos secretos e das mesas de centro.

"Porta dos Fundos"
Autor: Porta dos Fundos
Editora: Sextante
Páginas: 249
Preço: R$ 49,90