"No Brasil, as mulheres não são abertas em relação ao próprio corpo", diz fotógrafo Spencer Tunick
O fotógrafo Spencer Tunick já criou instalações com centenas de pessoas nuas em ensaios inusitados por quase todos os continentes. Mas foi no Brasil que o artista nova-iorquino relembrou a estranheza com que a nudez foi recebida pelas mulheres durante sua participação na 25ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 2002. "Foi uma honra participar da Bienal, mas descobri que no Brasil as mulheres não são abertas em relação ao próprio corpo", disse em entrevista ao UOL.
Entre homens e mulheres, as fotografias de 600 brasileiros nus foram tiradas na rampa do prédio da Bienal e nas dependências do Parque Ibirapuera, na capital paulista. O ensaio foi parte da série "Nude Adrift" (em tradução literal "nu à deriva").
"Por causa dos homens, elas [as mulheres] ficavam assustadas com a ideia de ficarem nuas. Uma coisa no Brasil que não fez sentido para mim na época, e que ainda não faz, é que a maior parte dos homens veio espontaneamente. As mulheres, em geral, tinham que pedir permissão para eles, marido ou namorado. E muitos deles disseram não. Parecia que os homens estavam no controle."
O fotógrafo nova-iorquino Spencer Tunick
As imagens tiradas em São Paulo há 11 anos, no entanto, não fazem parte da coletânea de fotos lançada em edição limitada, com apenas 400 exemplares. Batizado de "European Installations", o primeiro livro do fotógrafo traz apenas imagens criadas nos países europeus. "Queria que esse livro fosse o meu melhor trabalho. Então escolhi os 13 anos que trabalhei na Europa, porque escolhi começar o livro por apenas uma região".
O que Tunick conta é que a dedicatória do livro ao Velho Mundo faz parte de um agradecimento. "É uma celebração a esses países que me ajudaram a trabalhar sem ser preso e que permitiram que eu explorasse o corpo nu nas obras, entendendo o tom escultural da minha ideia."
Apesar de trabalhar com as formas e cores de corpos nus, Spencer não vê erotismo em sua arte. "Gosto de como esse tipo de arte física mexe com a cabeça das pessoas, a real função do corpo. Simplesmente gosto de criar imagens, o aspecto performático nisso. Fazer os convites, levar crianças, criar diálogos com o público."
Capa de "European Installations", livro do fotógrafo nova-iorquino Spencer Tunick
As prisões em Nova York
A "fuga" de Tunick para a Europa aconteceu após uma série de prisões e problemas com a prefeitura da Big Apple. "Entre 1994 e 1999 eu fui preso cinco vezes. Já cheguei a receber a polícia de Nova York no meu estúdio, porque lá é ilegal trabalhar com o corpo nu. Em 99 não conseguia mais suportar. Trabalhava há muito tempo com arte e em um segundo conseguia ser preso", contou o fotógrafo.
Foi nessa época que Tunick resolveu aceitar o convite de um museu e do governo suíço, que prometeu tratá-lo como um artista, garantindo que não o prenderia pelos trabalhos. "Ao contrário de Nova York, lá eu faria um trabalho com o governo". Como recompensa, a foto de capa do livro é uma das instalações no país.
Questionado se vê diferença na relação dos europeus com o próprio corpo, Spencer acredita que, "na Europa, as pessoas hesitam mais em ficar nuas, mas são mais livres em relação a arte e não tem problema em fazer isso quando estão em grupos."
Muralha da China, um sonho
Um dos sonhos impossíveis de Spencer, pelo menos por enquanto, é chegar aos países orientais. "Gostaria de fazer um trabalho na Muralha da China. Penso em algo no Japão, mas está muito difícil conseguir fazer a primeira instalação na Ásia."
Espero que na minha próxima visita ao país tenham mais mulheres no meu trabalho e mais orgulho
Spencer Tunick, fotógrafoEntre os projetos, ele também pensa em fotografar o Havaí, o Peru e a Colômbia, reunindo imagens para uma futura coletânea sobre a América Latina.
Para o Brasil, Tunick disse que não faltam ideias. "Gostaria de fazer algo em um museu de arte contemporânea no Rio, ou ainda aproveitar as praias, as montanhas e os centros urbanos. Acho que renderia algo maravilhoso aí."
Sobre a postura que espera das mulheres na sua volta, Spencer provocou: "Em dez anos [que se passaram da última vez], espero que tenha mudado. Espero que na minha próxima visita ao país tenham mais mulheres no meu trabalho e mais orgulho."
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