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Cineasta brasileira enfrenta tensão na Cisjordânia para lançar graphic novel sobre o conflito

Estefani Medeiros

Do UOL, em São Paulo

09/05/2013 15h56

Após lançar um documentário sobre a aldeia de Budrus em 2009, a brasileira Julia Bacha quer motivar as jovens palestinas a serem mais ativas politicamente com uma graphic novel inspirada no filme. Mas o trabalho não tem sido fácil.

Na última quinta (2), quando Bacha e sua equipe lançavam o livro em uma escola para garotas, o exército israelense começou a atacar o local com bombas de gás. A fumaça e a química da arma, aliadas às altas temperaturas da estação, causaram alguns incêndios em plantações próximas, levando moradores a saírem do evento para apagar a vegetação em chamas.

Adaptada para graphic novel por Irene Nasser e publicada pela ONG Just Vision, “Budrus”, assim como o filme, documenta como moradores da cidade que faz fronteira com o Muro da Cisjordânia conseguiram defender suas terras com resistência e protestos pacíficos quando o muro que separa a Palestina de Israel ameaçou tomar uma parte da aldeia. Mas, dessa vez, ao invés de usar o líder Ayed Morrar como base para a história, o conflito é apresentado através dos olhos de uma garota de 15 anos, Iltezam Morrar, filha de Ayed.

Assista ao trailer de "Budrus"

A liderança das mulheres de Budrus já é famosa por ajudar os homens a manter 95% das terras do confisco do governo depois de dez meses de luta. Por isso, a proposta da graphic novel é levar essa ideia também para as gerações mais jovens.

“Escolhemos colocar essa garota como uma representante para que ela possa motivar outras meninas a também serem mais ativas na cidade. Com esse assunto sendo apresentado nas escolas, de um jeito que o jovem gosta de ler, os meninos também entendem que não são só eles que podem ditar regras”, explica a documentarista em entrevista ao UOL

No formato que consagrou grandes graphic novels sobre o Oriente Médio, como “Habibi”, de Craig Thompson, e “Palestina”, de Joe Sacco, a revista foi impressa em preto e branco e tem ilustração do coletivo de artistas Part.

“Escolhemos esse formato porque atualmente é difícil fazer o jovem se concentrar na leitura, não só na Palestina, mas no mundo todo. E as graphic novels já se mostraram eficientes para contar a história de outros conflitos no oriente médio, como os do Egito”, explica Julia.

A distribuição da revista foi feita gratuitamente em escolas da aldeia, sem apoio do governo e, por enquanto, apenas com texto em árabe. “Tudo que fazemos lá é por nossa conta. Não procuramos o governo em nenhum momento”, diz Bacha.

“O livro ainda não tem tradução em inglês, até pensamos em lançar em escolas americanas, para mostrar como é o conflito. Mas seria uma adaptação muito complicada, as culturas são muito diferentes. Queremos fazer uma tradução em inglês para o público em breve.”

Questionada sobre os riscos de lançar esse tipo de livro em meio a conflitos, Bacha diz que as tensões surgiram apenas em janeiro, depois de meses sem problemas. “O exército está próximo porque há pouco tempo eles mataram um menino de 15 anos, Sameer Awad, com um tiro nas costas, porque ele estava andando perto do muro." 

Apesar do perigo de fazer esse tipo de trabalho, Bacha diz que a recepção na comunidade tem sido positiva, o que a motiva a continuar. “Para eles é muito interessante que os filhos leiam e entendam. Um menino pequeno veio pedir para a gente uma revista que tínhamos prometido para ele na primeira vez que viajamos para lá. As crianças estão interessadas. E também é importante porque eles se reconhecem no mundo, reconhecem a sua própria história, a história da aldeia impressa ali”.