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Lobão critica sociedade brasileira em "Manifesto do Nada na Terra do Nunca"; leia prólogo

Capa do novo livro de Lobão - Reprodução
Capa do novo livro de Lobão Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

01/05/2013 12h27

Depois de atingir a marca de 150 mil exemplares vendidos com sua autobiografia, Lobão volta às livrarias com “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”, no qual se propõe a falar sobre o “estado de paralisia” em que acredita que o Brasil se encontra.

Conhecido por sua carreira musical e opiniões polêmicas, Lobão apresenta capítulos como “Vamos assassinar a presidenta da República?”, “O reacionário” e “Confesso a vocês: sou uma besta quadrada” para falar de assuntos como política, cultura e liberdade, e inclui ainda uma carta aberta a Oswald de Andrade.

“Quem ousa tecer algum comentário um pouco mais crítico sobre a realidade que nos rodeia acaba sofrendo violências morais e psicológicas, sempre no intuito de eliminar o interlocutor... É a verdadeira Terra do Nunca, onde nos recusamos a crescer, com uma religião de Estado promovida por autoproclamados progressistas: os nossos carolas estatizados”, afirma o autor, explicando parte do nome do livro.

O livro tem lançamentos marcados no Rio de Janeiro (no dia 6 de maio, na Livraria Travessa), em Brasília (no dia 13, na Fnac ParkShopping) e em São Paulo (no dia 22, na Saraiva Ibirapuera). Leia abaixo o prólogo de "Manifesto do Nada na Terra do Nunca", divulgado exclusivamente pelo UOL.

AQUARELA DO BRASIL 2.0

Exilado, voava do futuro assobiando um réquiem.
Planava pelos desertos do esquecimento
sentindo uma saudade intensa,
que, de tão grande, curvava o espaço e o tempo.
Uma saudade não sei de quê,
não sei de quem.
Deve ser efeito do exílio prolongado.

E na jornada de retorno,
deparo a Aniquilação,
como a encarnação da sedução,
esbanjando simpatia, docilidade e alegria
pronta para sentenciar o fim dos loucos,
da vertigem, do vôo e da ousadia

A celebrar em êxtase a vitória dos simplórios,
a vitória da classe média endividada,
perambulando feito zumbi no shopping center, noite e dia.
Perseguindo, no vazio da virgindade existencial,
uma diversão que jamais sacia.

Acolhendo em Seu seio,
playboys agrobregas a desfilar pelos rodeios,
arraiais e micaretas, caçando a língua
das periguetes de abadá, que coisa louca!
Transformando um contato exclusivo numa olimpíada de beijos,
colecionando, triunfantes, bactérias, herpes e desejos,
como troféus no céu da boca.

A abençoar intelectuais, empanturrados de propinas
e ideologias fossilizadas, um monte de vaselina,
impondo goela abaixo um nacionalismo
barato para universitários otários
regurgitarem pastiches viciados,
repletos de vaidade imerecida,
ao som das mais horrorosas canções que ouvi na vida
ao balanço dos mais grotescos rebolados.

Com a santa ignorância dos que defendem cegos suas teses
Acobertando num silêncio um tanto cínico, aloprados e
de um governo cheio de revezes,
catequizando suas verdades imutáveis e eternas,
a patrulhar, ameaçar, comprar, reprimir (quando não, simonalizar)
todos aqueles que não se alinharam
nessa patuscada triste que eles mesmos inventaram:
A Inveja da Pobreza. A cartilha do bom brasileiro.
A terraplanagem é por baixo e a laje é o limite, companheiro    

Para o inferno, vocês, proprietários dessas verdades de merda.
Fascismo não é monopólio da direita nem da esquerda.
Fascismo é imposição inflexível e truculenta de verdades sacralizadas,
geralmente, por bem intencionados perpetradas.
Estou farto de bem intencionados. Além de nocivos, são cafonas.

E o sol exibia uma crista vermelha de fogo,
como se tivesse extraído todo o sangue dos penhascos do mundo,
me levando no seu calor a rasgar o ar fazendo o vento soprar
meus farrapos alados, para além de qualquer segurança
e, das alturas, mergulhar no abismo da garganta mais profunda
à procura da face perdida da esperança

Você é dependente de ideias pré-fabricadas,
arquitetadas por um bando de salafrários auto-indulgentes.
Você é um faminto de misérias embelezadas
que se alimenta de migalhas, a você atiradas
como um animal domesticado,
abanando o rabo, agradecido e contente

Você faz parte de um rebanho de presas fáceis
repletas de sonhos fenecidos.
E Eu? Eu sou o lobo do homem, uivando pra lua,
sozinho, vencido.
Vencido, como se soubesse a verdade, mas livre                                                                                          Assustadoramente livre.

Você acredita em tudo que te mandam,
mas se ofende com tudo o que eu te digo.
Você esquece que a ofensa que vigora
é pura reação, castigo pelo castigo,
sempre em guarda cultivando essa paixão:
o ódio sem razão. Que perigo!
…engendrando o prejulgamento,
a ignorância, a irresponsável precipitação.
A ofensa é o expediente do imbecil,
Sangue e armadilha nos esconderijos do coração!

Não basta apenas esperar por leite e mel,
às vezes, pra ser bom, é preciso ser cruel.
O brasileiro é sempre um bonzinho.
Somos o povo mais sorridente do planeta,
esse eterno país da micareta,
apesar dos 50 mil assassinatos produzidos todo o ano,
sem precisar de guerra civil nem de terrorista
muçulmano.

Pelas estatísticas mundiais,
pra haver guerra civil,
é necessário matar, pelo menos, uns 10 mil.
Uma pechincha comparada ao montante macabro
do nosso número imbatível: 50mil, 50 mil, 50 mil!
E terrorista? Quem, por aqui precisa de terrorista?
Terrorista é coisa pra amador.
O Brasil é só para profissionais. O Brasil é o Terror!
O Brasil é o Terror!

O Brasil dos estupros consentidos na surdina
dos superfaturamentos encarados como rotina
dos desabamentos e enchentes de hora marcada
dos hospitais públicos em abandono genocida
dos subsídios da Cultura a artistas consagrados
dos aeroportos em frangalhos, usuários indigentes
dos políticos grosseiros, como sempre, subornados,
de cabelo acaju e seus salários indecentes
da educação sucateada pelo estado
em sua paralisia ideológica, omissa e incompetente.

Do racismo galopante, na internet,
nas universidades e nas ruas
com as suas manifestações hostis
Da queima de índios e mendigos,
por meninos bem nascidos,
Do apedrejamento, vilipêndio e morte
de mulheres, prostitutas e travestis.

E lá vamos nós, descendo a ladeira!
Rebolativos, minhóquicos, superticiosos,
crédulos, inabaláveis, venais …
amantes de uma boa trapaça,
com nossa displicência carnavalesca espetacular
e os repetecos anuais dos feriados enforcados
de destruição em massa.

E não me venha com essa lenga lenga do tipo
“não gostou, se manda! vai pr’outro lugar”,
porque eu estou aqui para exterminar:
vossa hiponga modorra, vossa preguiça macunaímica,
vosso caráter vacante, vossa antropofagia cínica
pois esse lugar também me pertence,
e ninguém vai me calar. Ninguém vai me calar.

E nas almas de artistas natimortos
em berço chapa branca e exangue,
ecoam as vozes dos cadáveres insepultos de sempre,
impondo língua morta a se eternizar
numa geração de frouxos engrossando sua gangue.                                        

Frouxos, acometidos por
síndrome de dignidade intelectual.
Espalhando o evangelho da Mediocridade
para milhões de populares e estudantes semi-analfabetos
com o beneplácito da imprensa oficial.

E no cagaço metafísico
das multidões de contritos teleredimidos
brota o pavor da morte, da vida, do sexo,
da doença, da pobreza e do castigo.
fazendo bispos milionários,
gângsteres do paraíso,
lotearem pedacinhos do firmamento
para histéricos apocalípticos aguardarem
o fim do mundo, fora de perigo…

às vezes é mais exato ser impreciso, contradito.
Ser o Terror da próxima edição, a Corrosão, o Maldito
dos jornais que me inventam em manchetes
tentando me silenciar em vão.
Uma pena que nunca me enxergaram,
nem nunca me enxergarão …
é subestimando o inimigo que se perdem as guerras
e, por isso mesmo, agradeço a desatenção.

Pois agora é tarde e a Eternidade é Agora.
O brasileiro com sua auto estima permanentemente precária,
vive adernando entre Ali e Outrora
num orgulho às avessas, que destrói
qualquer possibilidade de enxergarmos
o que verdadeiramente somos e isso dói.


Uma nação que se recusa terminantemente a crescer,
paralisada por um embevecimento geonarcisista,
indolente e servil.
Benvindos a Terra do Nunca.
Benvindos a essa pocilga chamada Brasil

E eu? Eu sou o Nada,
o Fim da vossa picada,
o Oblívio dos desatentos,
a Ira da reação,
o Exterminador de todos vocês,
bunda moles de plantão.

Muito prazer! Éh chegada a vossa hora!
comecem a rebolar como é  do vosso feitio,
pois eu voltei para decretar o fim
dessa festa pobre que vocês armaram.
Dessa lambança de favorecimentos e apadrinhamentos
de causar náuseas, vômitos & arrepios,
desse imenso arraial brega, tosco, e vazio
um fim, por mim, ansiado, premeditado,
e já há muito tempo datado, tardio.

Agora, mãos à obra.
Estou na área e vamos começar.
Agora é necessário andar entre os pedestres,
viver as suas banalidades
e convocá-los, enfim, para o desafio
que é o delírio de viver e de voar.