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"Ele me apoiou publicamente quando não era politicamente correto me apoiar", diz Marília Pêra sobre Millôr; amigos e artistas se despedem em velório no Rio

Do UOL, em São Paulo*

29/03/2012 10h31Atualizada em 29/03/2012 14h22

Uma das artistas presentes no velório de Millôr Fernandes, a atriz Marília Pêra elogiou o artista e disse que recebeu suporte dele em um momento difícil da vida. "O Millôr era um homem culto, inteligente e muito engraçado. Não torcia para time de futebol, não tinha religião e nem partido político. Era um homem livre e isso é admirável. Ele me ajudou muito em um momento em que eu estava só. Ele me apoiou publicamente quando não era politicamente correto me apoiar".

Millôr morreu nesta terça-feira (27), em sua casa no Rio de Janeiro, aos 88 anos, em decorrência de falência múltipla dos órgãos. Seu corpo está sendo velado no Cemitério Memorial do Carmo, no Caju, na zona portuária do Rio. Depois das 15h, o corpo será cremado em cerimônia restrita à família 

O filho de Millôr Fernandes, Ivan Fernandes, também falou com a imprensa durante a cerimônia e agradeceu os jornalistas sobre as notícias publicadas sobre a morte do pai. "Quero agradecer o trabalho que a imprensa vem fazendo desde ontem, foi emocionante e muito respeitosa. A imprensa de maneira geral engrandeceu o trabalho ao qual meu pai se dedicou a vida toda".

Mais uma vez, Ivan usou a palavra emoção para falar sobre a presença dos amigos do pai no velório. "É uma grande emoção ver todos os amigos que meu pai fez durante a vida, pessoas do desenho, humor, teatro e artes plásticas. São mais de seis décadas de trabalho que estão sendo revisitadas em 24 horas", disse Ivan.

O filho do artista ainda comentou a personalidade do pai, sempre muito rápido em respostas. "Meu pai tinha respostas muito rápidas, lembro que em uma noite de autógrafos uma mulher chegou e pediu para ele escrever qualquer besteira no autógrafo. Ele virou para ela e disse: 'então fale alguma coisa'. Ele tinha esse espírito. Essa rapidez.. Meu pai também sempre me disse para não usar o humor como forma de humilhação".

Famosos comentam vida e obra de Millôr na chegada ao velório

O Millôr era batalhador, competitivo e não admitia ninguém mais inteligente do que ele, nem o computador. Quando a mãe dele morreu o Millor disse que nada pior poderia acontecer com ele. Ele era otimista e individualista no melhor sentido. Era um cara batalhador e tinha o espírito do carioca
Chico Caruso, cartunista
A perda é muito grande, além de um grande amigo o Millôr era um grande artista. A liberdade que ele sempre cultivou em seu trabalho é algo inspirador. O Millôr é da maior importância para todas as gerações, infelizmente muita gente nao teve acesso a essa literatura. Ele não tinha só um bom humor, ele também fazia uma grande crítica social
Otávio Augusto, ator
É difícil falar qualquer coisa nesse momento, qualquer coisa que eu diga será redundante. Só posso dizer que ele foi o amor da minha vida, a melhor pessoa que conheci. Um gênio.
Cora Ronai, jornalista e ex-companheira de Millôr
Conheço o Millor há 44 anos. Ele era um idealista e um moralista, não era anarquista. Ele queria que o mundo funcionasse direito. Millôr era mais fascinante falando do que escrevendo. Não tinha uma frase dele que nao iluminasse uma conversa, que não ajudasse a compreender o Brasil e o mundo. Todos os pensadores internacionais batidos no liquidificador não dariam meio copo do Millôr
Ruy Castro, escritor
Só posso dizer que o sentimento é de tristeza e saudade. Millôr foi a cabeça brasileira mais brilhante que conheci, vai deixar uma lacuna na cultura. Aprendi com ele que um intelectual nunca poder ser acomodado, tem sempre que ser contestador.
Silvio Tendler, cineasta
Ele foi o gênio mais eclético que eu conheci. Todo mundo respeitava o Millôr porque ele era muito sincero. Ele fazia tudo com muita naturalidade e será insubstituível
Hélio Fernandes, irmão de Millôr
A bruxa está solta para o lado dos humoristas. Ela deveria ir para o lado dos políticos. Tinha uma relação muito respeitosa com o Millor, quando eu nasci ele já era um cara consagrado. Uma vez levei para ele uma edição da "Casseta" e ele disse: obrigado e fique rico. Gostaria de ter tido maior convivência com ele. O maior legado dele, assim como o do Chico Anysio, é sua obra. Tudo o que ele produziu vai ficar para sempre, isso é ser imortal.
Marcelo Madureira, humorista e integrante do "Cassesta & Planeta"
O Millôr foi a pessoa mais inteligente que conheci, tinha uma inteligência luminosa. Perder o Millôr é como perder Pelé, Garrincha e Nilton Santos. É a pessoa que mais se aproximou do estado absoluto de liberdade.
Walter Salles, cineasta
O Millôr foi a pessoa que mais exerceu a liberdade de expresso. A gente só usa 10% da capacidade do nosso cérebro, o Millôr usava muito mais. Dizem que o Millôr era o Oscar Wilde brasileiro. O Oscar Wilde é que era o Millôr da língua inglesa. As frases do Millôr serão usadas daqui a 100 anos.
Hubert, humorista e integrante do "Casseta & Planeta"
Millôr foi um dos maiores pensadores que o Brasil já teve. Tinha uma multiplicidade de talentos que acho que não existe em outra pessoa. Nunca teve rabo preso com ninguém, viveu muito livre. Tivemos encontros muito pontuais, ele sempre ia ver meus espetáculo e depois vinha falar comigo. Ele talvez nunca tenha sabido, mas esses encontros sempre me estimularam a continuar minha vida profissional
Soraya Ravenle, atriz
O Millôr foi meu amigo, irmão e companheiro de trabalho durante 40 anos. Além da inteligência e do senso de humor que todo mundo sabe, o Millôr tinha um enorme senso ético e delicadeza. O Guimarães Rosa dizia que as pessoas não morrem, elas ficam encantadas. O Millôr vai ficar encantado para quem teve acesso aos fragmentos de sua obra e de sua vida.
Geraldo Carneiro, escritor
Sempre tive um imenso carinho pelo Millôr. Ele deu muita atenção à minha carreira quando eu estava começando e acompanhou de perto o início do meu namoro com a minha esposa. Minha esposa e eu dizemos que ele é nosso padrinho. É uma grande perda.
Sérgio Rodrigues, designer de móveis
Se o Millôr pudesse, ele não estaria no velório agora. Era uma pessoa extraordinária, jogamos muito frescobol na década de 70. Gênio é Shakespeare, Millôr era muito mais que isso.
Antônio Pitanga, ator
O Millôr era uma pessoa iluminada por um talento enorme. Ele e o Chico Anysio foram os primeiros multimídias do Brasil. Ele fez um humor de profundidade crítica por vezes ácido e sarcástico, mas nunca vulgar.
Luiz Carlos Barreto, produtor de cinema

Biografia
Nascido no bairro carioca do Méier, em 16 de agosto de 1923, Millôr foi registrado oficialmente em 27 de maio de 1924. Com um ano, ficou órfão de pai e, aos 10 anos, de mãe. Ao longo da vida, se firmou como um dos mais importantes e atuantes intelectuais brasileiros. Adaptou e escreveu obras para teatro e para televisão, além de ter imortalizado diversas frases e aforismos.

Em 1943, após ter passado pelo jornal "Diário da Noite" e pela revista "A Cigarra", onde criou seu famoso pseudônimo Vão Gogo, Millôr retornou à revista "O Cruzeiro". Na publicação, criou, ao lado de Péricles (de "O Amigo da Onça") a seção "O Pif-Paf".

Autodidata, em 1942 realizou a sua primeira tradução, para "Dragon Seed", romance da americana Pearl S. Buck, com o título "A Estirpe do Dragão". Anos mais tarde, essa função lhe renderia o título de maior tradutor de Shakespeare no Brasil. Ele também traduziu obras de Anton Tchekov, Bernard Shaw, Dario Fo, Luigi Pirandello, Molière, Mario Vargas Llosa, Samuel Beckett, R. W. Fassbinder e Tennessee Williams.


Fiquem tranquilos os poderosos que têm medo de nós: nenhum humorista atira pra matar.

Millôr Fernandes

Em 1946 , fez sua estreia literária com o livro "Eva Sem Costela". Sete anos depois, foi montada sua primeira peça de teatro, "Uma Mulher em Três Atos". Em 1964, aos 41 anos, editou a revista humorística "O Pif-Paf", considerada uma das pioneiras da imprensa alternativa. Quatro anos depois, participou da fundação do jornal satírico "O Pasquim", uma das vozes mais ativas contra a censura e o governo militar durante a ditadura nos anos 70. A publicação teve colaboração de Ruy Castro, Paulo Francis, Ivan Lessa, dos cartunistas Jaguar e Ziraldo, entre outros nomes importantes do jornalismo brasileiro.

Autor de mais de 40 títulos literários, o cartunista atuou como colaborador de diversos jornais e publicações ao longo dos últimos 60 anos, entre eles "Folha de S. Paulo", "Correio Braziliense", "Jornal do Brasil", "Isto É", "O Estado de S. Paulo", "O Dia" e "Veja".

Como desenhista, com passagem pelo Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro entre 1938 e 1943, expôs seus trabalhos no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro em duas ocasiões. Em 1981, seus trabalhos gráficos foram reunidos em "Desenhos" (ed. Raízes Artes Gráficas).

Como poeta, publicou "Papaverum Millôr" (ed. Prelo, 1967), "Hai-kais" (ed. Senzala, 1968) e "Poemas" (ed. L&PM, 1984).

Além de dramaturgo, atuou também como roteirista de cinema, séries e programas de TV, adaptando para a Rede Globo na década de 1990 a obra "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manuel Antônio de Almeida. No filme "Terra Estrangeira" (1995), de Walter Salles, colaborou com diálogos adicionais.

Em 2000, tornou-se um dos pioneiros a publicar na web ao lançar o “Millôr On Line” no UOL.

Entre seus últimos títulos, Millôr lançou em 2007 pela editora Desiderata "Novas Fábulas e Contos Fabulosos", reunião de contos e fábulas ilustrados pelo cartunista Angeli. Em 2010, a atriz Fernanda Torres adaptou na série "Amoral da História" duas obras anteriores para o canal de televisão GNT, "Fábulas Fabulosas" e "A Bíblia do Caos".

(*Com reportagem de Renato Damião, do Rio de Janeiro)