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Em evento português, Rubem Fonseca diz que inteligência não é essencial para escritores

O escritor Rubem Fonseca participa do festival literário Correntes d"Escritas, em Póvoa de Varzim (no Norte de Portugal) (23/2/12) - Maurício Hashizume/UOL
O escritor Rubem Fonseca participa do festival literário Correntes d'Escritas, em Póvoa de Varzim (no Norte de Portugal) (23/2/12) Imagem: Maurício Hashizume/UOL

Maurício Hashizume

Do UOL, em Póvoa de Varzim (Portugal)

23/02/2012 21h07

Em rara aparição pública, o escritor Rubem Fonseca, de 87 anos, esteve presente nesta quinta-feira (23) no festival literário Correntes D'Escritas, em Póvoa de Varzim (no Norte de Portugal), e listou o que considera as cinco características essenciais para que alguém faça parte da “categoria” da qual ele é um dos representantes brasileiros vivos mais renomados.

Para Fonseca, um escritor precisa conciliar loucura, alfabetização, motivação, paciência e imaginação. Convidado especial para uma mesa de debates do evento anual realizado no local onde nasceu Eça de Queirós, o brasileiro pontuou a sua “tese” com muitas e variadas citações de obras e autores literários. Para justificar a relação da loucura com a literatura, por exemplo, recomendou a leitura de obras escritas pelo filósofo francês Michel Foucault. Uma infância neurótica, brincou, pode ser definitiva na “formação” de um poeta.
 
Autor de obras marcantes como “A Grande Arte” --que está sendo relançada pela Sextante em Portugal e tornou célebre o detetive Mandrake, que extravasou a obra literária e foi parar na televisão-- e dono de uma trajetória pessoal controversa, ele também incluiu a alfabetização entre as condições indispensáveis para ser escritor. Mas descartou a inteligência. Caminhando à vontade pelo palco durante a sua apresentação, lembrou inclusive do comentário de outro escritor que, após ter conhecido centenas de pares, declarou que poucos eram inteligentes.

A motivação foi outro traço fundamental para a profissão destacado por Fonseca. “Sem motivação, não se descasca nem uma banana”, realçou. Para simbolizar o que queria dizer, pinçou um trecho da obra de Joseph Conrad (para a qual já tinha chamado a atenção em outra das suas escassas palestras oficiais, realizada em 1987 em Paris, na França), para quem a tarefa do escritor não é apenas “fazer sentir”, mas, acima de tudo, “fazer ver”.
 
Outra exigência indispensável para um escritor é a paciência, acrescentou Fonseca. Devagar, repetiu, se vai longe. Por isso, segundo ele, Gustave Flaubert levou cinco anos para escrever um livro (Madame Bovary) de cerca de 200 páginas. “A palavra é certa. Ele (Flaubert) sabia. Não existem sinônimos. Isso é conversa para boi dormir [que vem] dos gramáticos”.
 
O quinto e último critério para distinguir um escritor é a imaginação. Nascido em Minas Gerais e criado no Rio de Janeiro, o romancista brasileiro convocou o público a inventar, arrancando aplausos entusiasmados da plateia presente. Ao final, para deleite dos locais, ainda leu um trecho de uma poesia de Camões.
 
Na abertura da mesa, o brasileiro recebeu uma comenda do secretário português da Cultura, Francisco José Viegas. Visivelmente emocionado, agradeceu a homenagem e sublinhou a sua forte ligação com Portugal, onde nasceram seus pais. Também relançado pela Sextante, “Bufo e Spallanzani”, de Fonseca, foi ainda agraciado com o Prêmio Literário Casino da Póvoa, concedido por ocasião do festival.