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Sabe qual é o segredo para limpar obras de arte caríssimas? Uma cuspidinha

A obra "As Senhoritas de Avignon", de Pablo Picasso, exposta no MoMA - Stan Honda/AFP
A obra "As Senhoritas de Avignon", de Pablo Picasso, exposta no MoMA Imagem: Stan Honda/AFP

Lara Malvesí

De Nova York

28/10/2016 06h00

O pó é o pior inimigo para a conservação de obras de arte. A saliva, por outro lado, é um aliado inesperado. Essa é uma das principais revelações do novo áudio guia sobre a manutenção do museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, um dos mais importantes do mundo.

A artista Nina Katchadourian se encontrou com vários especialistas que se encarregam da delicada tarefa de conservar e limpar algumas das obras do museu e descobriu que, entre outras obras, "Vaso com Flores", de Pablo Picasso, foi limpa usando saliva, um método que embora aprovado pelos especialistas, surpreende. "Sua composição é eficaz por ser 90% água e o resto composto por outros agentes e minerais", afirma o especialista na tarefa Anny Aviram, com mais de 40 anos em suas costas no MoMa. 

"É difícil às vezes falar deste procedimento porque tem muitas conotações humorísticas", reconhece Aviram, que acrescenta que "frequentemente" o pó das obras é limpo com sua própria saliva, embora a chamem de "solução enzimática". 

"Primeiro passamos um cotonete com saliva e depois outro seco para retirar a sujeira", explica a especialista, que aponta que é um método lento porque "não se pode ficar oito horas limpando com saliva. E além disso, acrescenta, não é sempre que sua saliva é válida para o trabalho, depende de coisas que comeu". Aviram limpou o pó de até três Picassos de grandes dimensões com sua própria saliva, uma tarefa que levou meses cada um, afirma.

MoMA - Luna Kalil/UOL - Luna Kalil/UOL
Fachada do prédio do museu, em Nova York
Imagem: Luna Kalil/UOL

A artista californiana Nina Katchadourian recebeu a tarefa de realizar um áudio guia sobre o museu centrado na conservação das obras e logo após se deu conta que falaria sobre um elemento central: o pó. "Me interessou o pó em muitas facetas, como elemento que entra de fora no museu, como resultado das 12 mil pessoas que o visitam diariamente e o fato de que no final todos nos reduzimos a pó", explica.

Ao longo de vários meses, a artista multidisciplinar teve um passe sem restrições a todas as áreas do museu e se reuniu além de com artistas e especialistas, também com encarregados da manutenção e limpeza do edifício.

Todos eles trabalham para que não se vejam afetadas obras tão importantes para o patrimônio artístico mundial como "A Noite Estrelada", de Vincent Van Gogh; "A Persistência da Memória", de Salvador Dalí; "As Senhoritas de Avignon", de Pablo Picasso, ou "As Latas de Sopa Campbell", de Andy Warhol.

"O Santo Graal do Moma é se manter a 21,1ºC e 50% de umidade relativa", conta Nelson Nievas, um dos encarregados de manutenção do edifício, que revela que existe um gerador elétrico para emergências e um plano de urgência caso seja necessário reunir todas as obras em uma sala onde a temperatura e condições conservariam sem problemas durante dias as peças.

O museu não poupa investimentos em condutores de ar e outros instrumentos para manter na temperatura adequada no enorme edifício de seis andares com vários acessos à rua, ao terraço e com duas cafeterias. Por todas essas saídas ao exterior entra o pó, assim como outras sujeiras, especialmente através dos visitantes que a cada dia cruzam suas portas.

A arquitetura própria do edificio principal do MoMA, na Quinta Avenida com a Rua 53, em Manhattan, faz com que o pó suba para em um "efeito chaminé", explica o diretor de operações no edifício, Julio Vázquez. 

A peça mais complicada de limpar do museu está, precisamente, nas alturas. Trata-se de um helicóptero Bell 47 D1 de 1945 da coleção permanente do MoMA e que está pendurado no teto, o que obriga a utilizar quatro vezes por ano um grande elevador, vários braços extensíveis e toneladas de paciência.

A obsessão por evitar que o pó se acumule no museu é tão grande que proliferam entre os empregados várias de brincadeiras internas. Ellen Moody, uma das conservadoras, fez um coelho com nós formados por partículas de pó recolhidas e colocou um laço no mesmo antes de "presenteá-lo" a seu companheiros como lembrança e homenagem ao trabalho.