De protetora a protegida: Grande Muralha chinesa corre perigo

Antonio Broto.

Jiankou (China), 1 out (EFE).- A recente descoberta de uma "restauração" com cimento em um trecho da Grande Muralha da China voltou a pôr em evidência o perigo que o maior monumento do mundo corre, já que é ameaçado pela erosão, o vandalismo ou a venda de seus tijolos.

O gigantesco muro defensivo que os chineses começaram a construir há mais de dois mil anos é tão grande que é até difícil de ser medido (há estudos que apontam que tem de seis mil a 21 mil quilômetros). Ele é vítima de seu próprio tamanho, que dificulta seu monitoramento e conservação.

Isso explica, por exemplo, que a polêmica restauração com concreto em um trecho de Suizhong não tenha sido divulgada pela imprensa local ou gerado ira da população até dois anos após o término da obra, quando imagens do trabalho de péssima qualidade foram publicadas na internet.

"A Grande Muralha tem uma grande história, e claro, agora é como um velhinho", disse à Agência Efe o maior especialista neste monumento, Dong Yaohui, que em meados dos anos 80 foi o primeiro a percorrê-la inteira - levou 500 dias - para realizar o primeiro estudo pormenorizado dela.

Dong decidiu mostrar o risco que a Grande Muralha corre e levou jornalistas de vários veículos de comunicação ao trecho de Jiankou, um dos mais perigosos e que fica a cerca de 70 quilômetros de Pequim, no qual a cada ano morrem ou se ferem alguns excursionistas.

Com mais de 60 anos, Dong não se intimida e percorre com grande perícia um trecho muito diferente dos mais turísticos, já que foi construído com pedra caliça em vez do tradicional tijolo cinza que edifica os concorridos trechos de Badaling ou Mutianyu.

Em Jiankou, árvores e arbustos invadiram o piso da muralha, inclinando-o às vezes, e na parte mais escarpada praticamente é preciso escalar, uma missão que Dong, figura fácil na televisão chinesa e autor de vários livros sobre a Grande Muralha, cumpre sem transtornos.

"Precisamos da ajuda de outros países, a Grande Muralha é grande demais, longa demais, e sua proteção é muito difícil", admitiu.

Dong é o subdiretor da Sociedade da Grande Muralha, ONG que pretende conscientizar a população e os turistas sobre a proteção do monumento e que nos anos 80 foi presidida pelo herói militar Xi Zhongxun, pai do atual presidente do país, Xi Jinping.

Ele ficou em evidência na imprensa ultimamente ao apoiar o primeiro 'crowdfunding' para reunir recursos com o objetivo de restaurar a muralha, justamente no trecho de Jiankou.

A iniciativa rendeu polêmica no país, já que muitos alegam que é o governo que deve financiar um monumento que é Patrimônio Mundial da Unesco desde 1987, mas Dong ressalta que pode ser um bom complemento para um sistema de proteção que às vezes não é eficiente.

"O governo exige que a verba seja gasta dentro do mesmo ano, mas a aprova em março, o projeto é leiloado em setembro, e só restam os meses de outubro a dezembro para a reparação" - a pior época para isso devido ao frio -, afirmou.

O dinheiro arrecadado com o 'crowdfunding' não terá esse limite anual, por isso poderá ser melhor usado, alegou Dong, que conseguiu em um mês atrair 60 mil doadores e arrecadar US$ 300 mil, quase um quinto do valor total necessário.

Entre esses doadores está o fotógrafo Gao Heping, que passou 25 anos imortalizando o monumento com suas lentes e decidiu contribuir com um pouco de suas economias para seu lugar favorito.

"Cresci perto dela, meus pais sempre me contavam histórias da muralha, e desse amor começaram a sair minhas fotos", contou Gao.

O fotógrafo reconheceu que na China há gente que "não é consciente da necessidade de proteger o patrimônio histórico" e lembrou os danos causados ao monumento, por exemplo, na Revolução Cultural, quando muitas pessoas que viviam nas proximidades pegavam tijolos da muralha para usá-los em suas casas.

Ainda hoje há vendedores que roubam tijolos históricos - como os que têm gravuras - ou governos locais que pensam que a melhor forma de restaurar a muralha é cobri-la com cimento.

"Consertos como esse destroem a mensagem da história, a mensagem que a cultura chinesa representa", ressaltou Dong, que lembrou que somente 8% da muralha está em bom estado de conservação.

O monumento nasceu ao mesmo tempo que o império chinês, no século III a.C., quando o soberano que unificou os diferentes reinos da época, Qin Shihuang, também uniu suas muralhas para protegê-los de invasores do norte da Ásia.

A edificação foi ampliada e reforçada em dinastias posteriores, e os trechos melhor conservados na atualidade são os que foram construídos na dinastia Ming (1368-1644).
 

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