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Mario Vargas Llosa chega aos 80 anos conciliando literatura e política

O escritor peruano Mario Vargas Llosa durante o lançamento de "Cinco Esquinas", no início do mês, em Madrid - AFP
O escritor peruano Mario Vargas Llosa durante o lançamento de "Cinco Esquinas", no início do mês, em Madrid Imagem: AFP

Carmen Jiménez

Em Lima (Peru)

28/03/2016 10h01

A política é a outra grande paixão do escritor Mario Vargas Llosa, que chegou a ser candidato à presidência do Peru em 1990 e, apesar daquele fracasso, nunca abandonou seu compromisso com seu país e a América Latina.

Embora em sua juventude tenha chegado a simpatizar com a revolução cubana e com a rebelião dos militares de 1968 no Peru, depois sentiu um desencanto pelo marxismo e o socialismo que o conduziu a posições neoliberais.

Vargas Llosa, que nesta segunda-feira (28) completa 80 anos, iniciou sua carreira política no movimento Liberdade, forjado no estúdio do pintor peruano Fernando de Szyszlo pela fusão de duas legendas da direita tradicional peruana: Ação Popular e Partido Popular Cristão.

Foi com essa coalizão eleitoral, a Frente Democrática, que empreendeu em 1988 sua corrida rumo à presidência do Peru.

Após ter sido derrotado por Alberto Fujimori no pleito de 1990, Vargas Llosa retornou à literatura, mas sem abandonar nunca seu interesse pela política, que estampou, além de em sua obra literária, em centenas de artigos.

Em seu livro de memórias "Peixe na Água", Vargas Llosa afirma que quando embarcou rumo à Europa em 13 de junho de 1990, após sua derrota eleitoral, pensou que esta partida seria como a de 1958, "que tinha marcado de maneira tão nítida o fim de uma etapa de sua vida e o início de outra, na qual a literatura passou a ocupar o lugar central".

Mas embora Vargas Llosa tenha decidido não se envolver mais na política, por causa do "autogolpe" de Alberto Fujimori em 5 de abril de 1992, no qual dissolveu o Congresso e interveio no Poder Judiciário, se "sentiu obrigado" a condenar em artigos e entrevistas o que lhe parecia uma "tragédia para o Peru", segundo lembra em suas memórias.

Uma constante em Vargas Llosa - que em 1993 conseguiu a nacionalidade espanhola para, em suas próprias palavras, evitar "ser um pária" depois que Fujimori ameaçou tirar-lhe a peruana - foram suas críticas contra o fujimorismo.

A influência de Vargas Llosa, vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 2010, nunca deixou de ser sentida com força nos últimos processos eleitorais no Peru.

Tanto nos pleitos marcados para o próximo dia 10 de abril como nos anteriores de 2011, Vargas Llosa se posicionou contra Keiko Fujimori, a filha do ex-presidente atualmente preso, por considerar que seu triunfo seria a "reivindicação de uma ditadura. Uma das ditaduras mais corrompidas, mais violentas, mais sanguinárias".

No entanto, seu apoio ou rejeição a outros candidatos foi variando em cada processo eleitoral e assim, apesar de ter apoiado Alejandro Toledo em 2001 contra Alan García, no de 2006 apoiou este último perante Ollanta Humala, que conquistou o respaldo do Nobel em 2011.

Nestas eleições, Vargas Llosa pediu para os peruanos não votarem em Alan García devido às denúncias de corrupção em seu segundo governo (2006-2011) e expressou seu apoio ao ex-ministro Pedro Pablo Kuczynski.

Outro eixo que sempre marcou a preocupação política de Vargas Llosa são os populismos e as ditaduras na América Latina, e, nesse sentido, o escritor se caracterizou por ser anticastrista e um ferrenho adversário da Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

Recentemente, Vargas Llosa afirmou que há "manifestações muito claras" de que o populismo está em queda na América Latina, como as que se veem em Venezuela, Bolívia e Equador, ou na Argentina, com o fim do kirchnerismo (o período entre 2003 e 2015 das presidências de Néstor Kirchner e sua viúva, Cristina Kirchner).

Também não escapou de suas críticas o magnata Donald Trump, favorito para conquistar a indicação presidencial republicana nos Estados Unidos, a quem qualificou como "demagogo, palhaço e irresponsável".

A política sempre esteve também presente na obra de Vargas Llosa, desde que publicou, na década de 1960, "A Cidade e os Cachorros", que provocou a rejeição da cúpula militar.

Em "Conversa no Catedral", a obra predileta de Vargas Llosa, se recria a opressão da ditadura de Manuel Odría, enquanto em "História de Mayta", a violência exerce um papel fundamental.

Outro de seus romances mais conhecidos é "A Festa do Bode", sobre a ditadura do dominicano Rafael Leónidas Trujillo.

Com sua última obra, "Cinco Esquinas", Vargas Llosa retorna ao Peru, país com o qual sempre teve uma relação difícil e, segundo reconheceu em recente entrevista, "seguirei tendo até o final dos meus dias".