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Escritor espanhol tenta desvendar mistérios da morte de Pablo Neruda em livro

Pablo Neruda é fotografado se recuperando de suposto ataque da polícia em Cuernavaca, na Cidade do México (29/12/1941) - AP Photo/Arquivo
Pablo Neruda é fotografado se recuperando de suposto ataque da polícia em Cuernavaca, na Cidade do México (29/12/1941) Imagem: AP Photo/Arquivo

Fuencis Rausell

30/05/2012 10h03

Santiago do Chile, 30 mai (EFE).- Câncer terminal, parada cardíaca ou injeção letal? Após 39 anos da morte de Pablo Neruda, o jornalista espanhol Mario Amorós desdobra em um novo livro os mistérios da morte do poeta chileno, sobre a qual ainda pairam as sombras da ditadura.

"No livro eu pergunto se Neruda pode ter sido assassinado, mas não respondo a isso", disse à Agência Efe Amorós sobre o livro "Sombras sobre Isla Negra. A Misteriosa Morte de Pablo Neruda", que ele mesmo apresentou na capital chilena.

O Prêmio Nobel de Literatura em 1971 faleceu em uma clínica particular de Santiago 12 dias depois do golpe de Estado de Augusto Pinochet, em 23 de setembro de 1973, devido a um avançado câncer de próstata, segundo consta tanto no certificado como na certidão de óbito.

No entanto, sua terceira mulher, Matilde Urrutia, afirmou durante os 12 anos que viveu depois da morte do autor que "não foi o câncer que o matou", mas uma parada cardíaca.

"É muito surpreendente descobrir como Matilde Urrutia não acreditava que a causa de morte foi o câncer. Ela falou simplesmente de uma parada cardíaca. (Mesmo assim), jamais denunciou que seu marido tivesse sido assassinado", ressaltou Amorós.

Essa versão é a que defende Manuel Araya, antigo motorista de Neruda e que atualmente vive na província litorânea de San Antonio. Em 2011, em entrevista à revista mexicana "Proceso", Araya insistiu que Neruda foi assassinado por agentes do regime.

Sua hipótese lembra o caso do ex-presidente Eduardo Frei Montalva (1964-1970), que faleceu em 1982 na mesma clínica, a Santa María, quando liderava uma incipiente oposição ao regime.

Oficialmente, sua morte foi atribuída a uma septicemia, mas, desde 2009, a justiça investiga se na realidade houve um homicídio por envenenamento.

No caso de Neruda, foi a denúncia do motorista o que motivou o Partido Comunista, no qual Neruda militou, a apresentar em maio de 2011 uma queixa que foi admitida pela justiça e com a qual foi aberta uma investigação sobre sua morte.

Nessa apuração, o juiz Mario Carroza não encontrou em nenhum dos três hospitais em que Neruda foi atendido durante 1973 relatórios médicos, que não estavam mais arquivados, apesar de serem obrigados por lei a guardá-los durante 40 anos, relatou Amorós.

"A tese do livro é que a morte de Pablo Neruda é uma morte envolta em mistério. Há uma série de dúvidas sobre se foi assassinato, como sustenta seu motorista e investiga o juiz Mario Carroza, ou se foi uma morte natural", assinalou.

"Nesse último caso, no meu ponto de vista, teria sido induzido pelo terrível sofrimento que lhe causou o golpe de Estado", acrescentou o autor, que escreveu vários volumes dedicados ao Chile, entre eles, "Antonio Llidó, um sacerdote revolucionário".

Neste novo livro, Amorós percorre o último ano de vida do poeta, desde seu retorno ao Chile como embaixador na França, em novembro de 1972, até sua morte e enterro. Além disso, o último capítulo repassa a vida de sua viúva, Matilde Urrutia, até sua morte, em 1985.

De todo o relato, os fatos-chave se concentram nos dois últimos dias de vida do poeta, embora suas principais testemunhas, Matilde Urrutia e Manuel Araya, divirjam em seus relatos.

Segundo a versão de Araya, em, 23 de setembro, Pablo Neruda pediu à Matilde e a ele que viajassem para Isla Negra para recolher alguns pertences da casa que possuíam nessa região do litoral chileno, a cerca de 100 quilômetros de Santiago.

Neruda e sua mulher se dispuseram a partir para o exílio no México após receberem um convite através do então embaixador desse país, Gonzalo Martínez Corbalá.

Quando Araya e Matilde estavam em Isla Negra, "receberam uma ligação de Pablo Neruda, que dizia ter recebido uma misteriosa injeção no estômago", relata Amorós.

Ao retornar a Santiago, encontraram Neruda com febre. Um médico pediu então a Araya que saísse para buscar um remédio fora e, nesse momento, foi detido e conduzido ao Estádio Nacional, onde foi torturado.

Por outro lado, Matilde sempre afirmou que a viagem a Isla Negra aconteceu um dia antes, 22 de setembro, e que ao retornar à capital encontraram Neruda muito alterado e afetado pelas notícias sobre a sangrenta repressão do regime.

Nesse momento, segundo contou em suas memórias, chamou uma enfermeira e lhe aplicaram uma injeção, um tranquilizante, que caiu em um sono do qual nunca mais acordou. Após passar um dia em estado de coma, o grande poeta faleceu na noite do dia 23.

"Há contradições nos dois relatos, principalmente no de Araya", admite Amorós. Essas contradições alimentam as dúvidas, e essas dúvidas, segundo o jornalista, "devem ser esclarecidas com a exumação" dos restos do poeta, que hoje descansam em frente ao mar, em Isla Negra, junto a Matilde Urrutia.