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Espanha descobre sua própria ameaça extremista islâmica

20/11/2014 18h07

MADRI, 20 Nov 2014 (AFP) - A Espanha está lutando contra uma onda inédita de extremismo islâmico autóctone, desmantelando células e perseguindo radicais na internet, no momento em que dezenas de espanhóis se somam às fileiras de combatentes jihadistas na Síria e no Iraque.

Dez anos após o atentado a bomba do dia 11 de março de 2004 praticado por islâmicos vinculados à Al-Qaeda, que matou 191 pessoas e feriu quase 2.000, as autoridades espanholas enfrentam uma nova geração de extremistas.

"Estamos assistindo à eclosão do jihadismo 'home grown' (desenvolvido dentro do país)", explicou Fernando Reinares, um dos principais pesquisadores espanhóis sobre terrorismo internacional, em uma reunião de especialistas nesta semana em Madri.

"Isto não é novo no Reino Unido, não é novo na França, mas é novo na Espanha e na Itália", acrescentou.

Reinares estima que aproximadamente 60 pessoas saíram nos últimos três anos da Espanha para se juntar aos islâmicos na Síria e no Iraque.

O embaixador espanhol de Bagdá, José María Ferré de la Peña, estimou nesta semana que aproximadamente cem espanhóis se juntaram aos extremistas em zonas de conflito.

São números bem inferiores às centenas de pessoas que partiram do Reino Unido, da França e da Alemanha para integrar o grupo Estado Islâmico (EI) na Síria. Mas a emergência relativamente rápida deste fenômeno sacudiu as autoridades espanholas, que detiveram dezenas de suspeitos de planejar se unir ao EI.

Esse grupo controla amplas áreas no Iraque e na Síria e se orgulha de ter matado vários reféns ocidentais, em vídeos em que foram identificados combatentes britânicos e franceses.

"Isto deve nos manter mais do que nunca em alerta porque a globalização deste grupo terrorista é um fato irrefutável", ressaltou o secretário de Segurança espanhol, Francisco Martínez.



Menina de 14 anos entre suspeitos

Entre os suspeitos detidos na Espanha está uma adolescente espanhola de 14 anos, interceptada em agosto quando tentava entrar no Marrocos supostamente no caminho para se unir ao EI, segundo fontes judiciais.

As autoridades também identificaram centenas de perfis on-line de radicais que apoiam o grupo ou que mencionaram a Espanha em suas mensagens, afirmou Martínez.

No que se refere ao último caso, o governo anunciou nesta quarta-feira a detenção de um marroquino na província de Múrcia, no sul do país, acusado de "uma destacada atividade jihadista na internet" e de tentar viajar à Síria para se unir a um grupo terrorista.

Esta onda de detenções e suspeitos on-line levou o governo a intensificar em setembro seu nível de vigilância sobre possíveis atentados, explicou o secretário de Estado.

Militares espanhóis ajudam atualmente a treinar soldados iraquianos para lutar contra o EI, o que torna o país um potencial alvo de vinganças, advertiu.



Enclaves africanos

Um relatório do Instituto Elcano de estudos internacionais intitulado "Mudanças nas pautas de implicação jihadista na Espanha 1995-2013" descobriu que no último ano aumentou de forma exponencial a proporção de espanhóis nativos entre os detidos por supostos crimes jihadistas.

Cerca de 70% dos suspeitos detidos desde 2013 tinham nacionalidade espanhola, e desses, nove de cada dez nasceram na Espanha, afirma Reinares, co-autor do relatório.

"A grande maioria dos supostos islâmicos detidos no país nos últimos anos vem dos enclaves espanhóis no norte da África, Ceuta e Melilha, na fronteira com o Marrocos", explica.

Nessas pequenas cidades protegidas por altas cercas de metal, a polícia espanhola vigia as únicas fronteiras terrestres entre a União Europeia e a África.

"É uma fronteira atípica em relação ao resto da União Europeia, onde multidões cruzam todos os dias no caminho de ida e volta para comprar produtos e revender no Marrocos", explica à AFP José Antônio Vázquez, inspetor-chefe da polícia nacional espanhola.

"Comparada a alguns de seus vizinhos europeus, a Espanha reagiu tardiamente na adaptação de suas leis para perseguir as novas células islâmicas", opina Reinares.

Em 2010, o país ampliou sua legislação antiterrorista para incluir o que consideravam novas ameaças extremistas, como recrutamento e treinamento de rebeldes.

Martínez explica que o governo planeja agora uma reforma do código penal e um novo plano estratégico de combate à radicalização.