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Era uma mesa que prometia soltar faíscas na Flip 2008: de um lado, o escritor holandês
Cees Nooteboom, autor de "Paraíso Perdido" (Cia. das Letras) e conhecido por sua literatura de viagem, passada em diversos países; do outro, o colombiano
Fernando Vallejo, que vive no México há 25 anos, mas ambienta todas as suas histórias em Medellín, em livros permeados por virulentas críticas à Igreja Católica e ao governo. À primeira vista, seria um embate entre as visões de um pacato europeu viajante e um raivoso polemista latino-americano (que já dera uma amostra de sua verve ao
comentar o resgate de Ingrid Bettancourt), mas as provocações de ambos os lados foram contornadas com classe e bom-humor.
Méritos sejam dados ao moderador escolhido para a mesa, o crítico de arte do "Financial Times" Ángel Gurría-Quintana, que soube controlar os impulsos de Vallejo em responder só o que lhe interessava. À primeira pergunta que recebeu, "qual a importância do lugar em sua literatura?", Vallejo respondeu com "quero agradecer muito pelo convite para a Flip e prometer que não vou falar mal de ninguém, nem do papa, nem do governo, nem de futebol, nem do Lula, que [
em tom irônico] erradicou a fome no Brasil. Eu invejo o país de vocês, que tem um presidente alegre, gordinho, o nosso [
Álvaro Uribe, presidente dá Colômbia] é um baixinho mirrado, triste". Gurría insistiu duas vezes na pergunta, que Vallejo finalmente respondeu com "o lugar não tem importância nenhuma".
Cees Nooteboom interveio, dizendo que havia conversado com Fernando Vallejo pela manhã e o colega era "pura gentileza, mas muito furioso". "Vallejo me lembra uma frase de Francis Bacon, o pintor, cujos quadros se parecem muito com sua obra. Uma vez lhe perguntaram no que acreditava e ele disse: 'Eu não acredito em nada, sou um otimista'."
O holandês comentou em seguida que já havia visto muita coisa ruim no mundo em suas viagens, mas recomendava a quem não acredita realmente na humanidade dar um tiro na cabeça --"afinal, você é livre para partir". Vallejo revidou: "Bem, meu colega Cees nasceu na Holanda, então não é à toa que precisou viajar pelo mundo para escrever. Eu cresci em Medellín, por isso tenho essa opinião". Ao que o mediador Gurría-Quintana interveio, com astúcia: "Ah, então agora você está respondendo minha primeira pergunta?". Aplausos efusivos na platéia.
Rituais e métodosDesse ponto em diante, o debate versou sobre o processo de criação de ambos os autores. Fernando Vallejo comentou sobre sua eterna briga com os narradores oniscientes em terceira pessoa ("como o filho do vizinho de alguém pode saber o que todas as pessoas estão pensando?") e afirmou que foi à faculdade de filosofia e letras em Bogotá para aprender a escrever, mas "não serviu para nada".
"Tive que me tornar um autodidata e só fui entender a escrita quando percebi que em todas as línguas existe o registro coloquial e o literário, e, neste último, uma série de construções que se repetem desde os tempos da 'Ilíada' de Homero", disse Vallejo. Para o colombiano, se um autor consegue criar uma palavra nova em vida, já é muito, como no caso de seu título mais recente no Brasil, "Despenhadeiro". "Em espanhol, o título é 'Desbarrancadero', que vem do verbo 'desbarrancar', mas não existe como substantivo. Aqui foi traduzido dessa forma, mas acho que o certo seria 'Desbarrancadeiro' mesmo."
Vallejo diz que continua escrevendo sobre a Colômbia porque o México, para ele, é um "país alienígena". Já Cees Nooteboom disse que gosta de "cair de pára-quedas" em um lugar para tentar compreendê-lo ou pelo menos mostrar uma visão sincera sobre ele. "Quanto mais você viaja, mais percebe que todos os lugares são complicados. Se você fica muito tempo em um lugar, começa a ficar muito difícil descrevê-lo direito."
Nooteboom ainda escreve seus livros a caneta, em cadernos especiais ("já comprei um estoque para até o fim da vida"), e afirma ter uma regra pessoal de escrever pelo menos 500 palavras por dia quando está trabalhando. "Se o trabalho está fluindo muito bem e eu já estou chegando às 600 palavras, começo a ficar supersticioso e paro, faço uma anotação de onde devo seguir e continuo no dia seguinte", afirmou. Entre seus hábitos para o ato de escrever, também estão acordar cedo e ouvir prelúdios do compositor russo Dmitri Shostakovich, "para entrar no clima".
Sobre sua formação, Cees Nooteboom --que tem passagens em seus livros freqüentemente classificadas como "metafísicas"-- disse não lamentar ter tido uma educação católica, por ordem de um padrasto, apesar de ter sido expulso de diversas escolas e não se considerar católico atualmente. "Pelo menos eles me fizeram ler os clássicos", disse o escritor, que nunca completou o colegial nem fez faculdade.
Foi a oportunidade para Vallejo soltar outra de suas frases: "Não se pode considerar que existe 'educação católica', porque o catolicismo é, em si, uma barbárie". Nooteeboom, bem-humorado, respondeu com uma conversa que ambos tiveram no dia anterior: "Nós estávamos almoçando, eu disse para Vallejo, que é vegetariano, que eu compreendia sua decisão, mas preferia continuar 'mantendo contato' com o mundo animal. Daí ele me falou que eu iria para o inferno. E eu respondi: 'Bom, pelo menos vou encontrar pessoas interessantes por lá'".
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