09/12/2005 - 18h46 "A precariedade me estimula", afirma Rochelle Costi em entrevista; veja imagens do livro que a artista lançaAUGUSTO OLIVANI UOL Diversão e Arte
Divulgação
Capa do livro Sem Título, de Rochelle Costi, lançado pela editora Metalivros
A artista gaúcha Rochelle Costi, que faz uso da fotografia para criar instalações visuais, entre outras adaptações de suporte, lança compêndio de suas obras em catálogo feito em associação com a Galeria Brito Cimino (que a representa) e a editora Metalivros. Chama-se "Sem Título" (200 páginas, R$ 70). A intenção, segundo a própria Rochelle, é que fosse "livro de artista", em que a unidade visual fosse engendrada pela sua própria linguagem.
Rochelle Costi, que não tem formação acadêmica nem de artes plásticas nem de fotografia, trabalha em processo livre-associativo de criação. "Desenvolvi uma pesquisa seguindo os moldes que eu mesma estipulei", conta ela em entrevista ao UOL. É possível ver em seu trajeto fotografias de quartos, de casas, de comida e de pessoas, o que demonstra um interesse pelos espaços e hábitos íntimos das pessoas, e também pela criação de ambientes.
Porém, fica claro que a abordagem da artista lida com o ordinário e com o residual, mesmo com a deterioração e a desconstrução da memória. Em diferentes momentos, é possível ver tanto uma visão multiplicada, fraturada e caleidoscópica das lentes da artista quanto registros em escala real, que transformam imagens banais em sedutoras.
Dessa forma, Rochelle procura integrar o espectador junto à sua obra. "Além de se identificar com o que está exposto, ele se envolve, é algo quase corporal", explica Rochelle.
Leia, a seguir, entrevista com a artista gaúcha, em que ela fala sobre linguagem, pesquisa, coleção de objetos e troca de intimidades com o espectador:
UOL: De que forma surgiu a idéia de lançar um livro que fosse compêndio de obras? Rochelle Costi: Quando comecei, há pouco tempo atrás [N.R.: 1982], era difícil publicar por iniciativa própria. Nunca tive um catálogo do meu trabalho, tinha esse desejo e a galeria começou a me estimular. Conversando, decidimos formatar. Fizemos isso num período de dois anos, resgatando imagens de instalações e exposições. Participei bastante do processo de diagramação, do projeto gráfico, junto do José Roberto Freire. Trabalhamos em parceria porque, como esses registros são de vinte e poucos anos, existe uma grande diferença de cor, impressão, definição, qualidade. Quanto mais eu participasse, mais ficaria com cara de livro de artista, onde há espaço para essa questão, de não ter uma unidade formal desse meu percurso.
A unidade vem da minha própria linguagem. A própria capa é uma espécie de trabalho meu: a imagem da minha infância, esses óculos que apontam bem para a questão do olhar. A maneira como surgiu o nome _"Sem Título"_ e a capa é como se fosse um trabalho mesmo.
UOL: Desde quando você se interessa pelos espaços íntimos na vida urbana? Rochelle Costi: Isso aparece desde o início. A foto mais antiga é de 1982, uma imagem de um quarto de fazenda no interior de Minas Gerais. Foi neste filme revelado que senti que, a partir da fotografia, poderia desenvolver algo para a minha vida. Essa exploração dos espaços íntimos já vem desde então.
Minha fotografia é bem contextual: mostra um conjunto e, a partir dele, se pode ter várias leituras e percursos. Mas isso depende muito de como a fotografia é colocada no espaço expositivo. Eu nunca me conformei muito em colocar a foto em um suporte convencional, em formato padrão. Essa busca da intimidade é a forma de mostrar a minha intimidade através dos outros e vice-versa.
UOL: Como você trabalha essa integração com o público a partir da intimidade? Rochelle Costi: Com a questão do suporte veio também a busca pela interatividade. Queria mostrar algo que não fossem obras planas, em que o espectador, além de apreciar, pudesse participar também. A partir disso, comecei a usar aparatos ópticos, lentes, espelhos e outros truques para tornar o espectador mais ativo. As obras, então, viram uma espécie de armadilha, porque ele não consegue ver o que está exposto se não conseguir ver a si mesmo.
No início, explorei isso através de objetos, caixinhas, espelhos, e depois a partir das proporções, com ampliação fotográfica normal, mas em escala real, em que o espectador adentra a imagem. E as fotos grandes no espaço também proporcionam uma viagem mais participativa.
UOL: Em que sentido a participação do espectador é importante na sua obra? Rochelle Costi: Eu também uso o espectador, o cidadão comum, como personagem, porque engrandece o trabalho. Além de se identificar com o que está exposto, ele se envolve, é algo quase corporal. Acho que o trabalho cresce.
Assim, o meu interesse é atingir o espectador comum, que não tem exatamente uma herança artística. Meu interesse é que ele perceba que também pode participar de uma obra de arte e não se sentir inferiorizado, ou sentir que não tem capacidade de ver e sentir aquilo. Todas as pessoas me interessam.
UOL: Seu principal interesse é o trato com a memória, por ser fotógrafa? Rochelle Costi: O fotógrafo, a princípio, se interessa por tudo. Quando se fala em memória, remete-se a algo do passado, pessoal, íntimo. Mas eu, quando penso em memória, penso na comida que como, nos detritos que produzimos diariamente, em tudo que passa por nós.
Para mim, as sobras são extremamente importantes e produtivas, podem gerar muita coisa. As sobras, na verdade, são um resíduo daquilo que acabou de acontecer, que passou. Ela sobrou porque alguém achou que não tinha mais possibilidade, mas as utilidades vão se multiplicando assim que algo é descartado.
UOL: Você sempre se relacionou com objetos e quinquilharias? Rochelle Costi: Junto ao fato de ser fotógrafa, sempre colecionei objetos, objetos que participam como registro e como suporte. O engraçado é que, depois de flertar com vários formatos, volto para a fotografia pura com essa questão da escala e da disposição no espaço expositivo, que traz a questão de integrar o espectador.
E voltando à questão da escala, ela tem esse poder, em fotografia, de provocar um interesse maior nas coisas normais, ordinárias, que estão em toda parte e todos conhecem. Porque no momento que o público vê uma imagem do que é "sobra" na parede de um centro cultural, ela se mostra diferente, de forma mais intensa. E as pessoas, assim, são seduzidas por aquilo que parece ser banal.
UOL: De que maneira o suporte aumentou suas possibilidades de lidar com objetos e escalas? Rochelle Costi: Quando se fala em possibilidades de imprimir em várias superfícies, isso surgiu em 1997, é muito recente. Antes disso a gente tinha dificuldades até de fazer uma ampliação maior, era muito caro.
De certa forma, essa circunstância me estimulou a procurar outros suportes, a experimentar mais, pois não havia quase nada de recursos no mercado. A precariedade me estimula muito. A partir dessa pesquisa surgiram novas maneiras de colocar fotos fora do ambiente fechado das galerias sem me preocupar com as intempéries.
Não tenho formação em artes plásticas e fotografia no Brasil, até pouquíssimo tempo, não tinha curso superior. Isso também foi libertador pra mim, o fato de não ter tido uma orientação para artes ou fotos de forma mais restrita. Estava fazendo algo independente, só meu, sem lei e sem referência. Desenvolvi uma pesquisa seguindo os moldes que eu mesma estipulei.