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17/12/2006 - 09h38

Tema político marca a 27ª edição da Bienal Internacional de Arte de SP

Da Redação

A 27ª Bienal Internacional de São Paulo, que acaba neste domingo (17), apresentou obras de 118 artistas brasileiros e estrangeiros, com o tema "Como Viver Junto", baseado nos projetos construtivos de Hélio Oiticica.

Em cartaz desde 7 de outubro, a exposição recebeu, até 10 de dezembro, 508 mil pessoas, segundo os dados mais recentes de público fornecidos pela Fundação Bienal. A edição de 2004 teve a presença de 917 mil pessoas e em 2002, época em que a entrada era paga, o público foi de 640 mil pessoas.

Pela primeira vez, a escolha da curadoria foi feita por uma comissão julgadora, formada por curadores, diretores de museus, acadêmicos e críticos de arte, que elegeram o projeto de Lisette Lagnado e o tema "Bloco Sem Fronteiras", que depois mudou para "Como Viver Junto". Esta edição também foi marcada pelo fim das representações nacionais, em que instituições de países convidados indicavam obras e artistas.

A edição deste ano promoveu uma série de Seminários Internacionais abertos ao público. Os debates tiveram início em janeiro de 2006, com "Marcel, 30", sobre o artista belga Marcel Broodthaers, organizado por Jochen Volz. Em março teve lugar "Arquitetura", organizado por Adriano Pedrosa. "Reconstrução" foi o tema debatido em junho, organizado por Cristina Freire. Em agosto, Lisette Lagnado trouxe a questão "Vida Coletiva". Por motivos de saúde, a espanhola Rosa Martinez não compareceu ao seminário pensado por ela, "Trocas". Em novembro, José Roca encerrou o ciclo de seminários, com o tema "Acre".

Outra inovação desta edição da Bienal foram as residências artísticas. Dez artistas estrangeiros passaram uma temporada no Brasil nos Estados de São Paulo, Acre e Pernambuco e aqui produziram obras inéditas.

A Bienal também promoveu a Quinzena de Filmes, que teve como destaques as estréias de "Andarilho", do mineiro Cao Guimarães, e "Saudi Solutions" de Bregtje Van Der Haak , além das exibições de "Plages", de Dominique Gonzalez-Foerster, e "Héliorama", de Ivan Cardoso.

Protesto de Cildo Meireles

O artista Cildo Meireles recusou-se a participar da Bienal quando o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira foi reeleito membro do conselho da instituição. Cid Ferreira foi condenado em 15/12 a 21 anos de prisão por crime contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, crime organizado e formação de quadrilha.

Em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, Meireles declarou: "É desmoralizante, mediocrizante, para a Bienal compactuar com esse gangsterismo. Ridículo imaginar alguém de dentro da prisão tomando parte nas decisões de uma instituição tão importante".

A repercussão da atitude de Meireles fez com que o Conselho Deliberativo da Fundação Bienal de São Paulo excluisse de sua composição o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira. Mesmo assim, o artista não voltou à Bienal.

Vetos marcaram mostra

Três dias antes da abertura da mostra, outra crise se revelou. Três obras foram vetadas: o projeto do Guaraná Power, do coletivo dinamarquês Superflex; o uso bloqueadores de celular no interior do prédio da Bienal, do artista Marcelo Cidade; e a colocação de tanques com aguapés no lago do Ibirapuera, pelo artista mexicano Héctor Zamora.

O Superflex fez protesto na abertura da Bienal usando um boneco de semente de guaraná, que circulava na mostra segurando uma placa com os dizeres, em inglês: "Do you copy?". A frase tem um duplo significado, algo como "Você copia?" e "Você entende?".

Marcelo Cidade, que por orientação do departamento jurídico da Fundação Bienal, teria que restringir a um único bloqueador de celular o seu projeto (estava prevista a instalação de seis aparelhos e a completa impossibilidade de uso de celulares no prédio), resolveu driblar o veto. Circulou na noite de abertura com um bloqueador na mochila. Segundo Cidade, havia mais quatro bloqueadores "circulantes".

O artista Hector Zamora foi impedido de realizar uma obra que previa a colocação de aguapés no lago do Ibirapuera. Apesar de o projeto prever que as plantas estariam contidas em estruturas que supostamente conteriam sua proliferação, a obra foi vetada pela direção do parque, com base num parecer da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. Segundo Renier Marcos Rotermund, diretor de Manejo e Conservação dos Parques, o projeto poderia colocar em risco o equilíbrio ambiental do lago, por ser propício à infestação pelos aguapés e mosquitos que se reproduzem nestas plantas.

Tema da Bienal gera controvérsia

O tema "Como Viver Junto" da 27ª Bienal foi tomado de empréstimo pela curadora Lisette Lagnado de uma série de seminários realizados pelo semiólogo Roland Barthes (1915-1980), na Sorbonne, em Paris, nos anos 70. Sobre o tema, em entrevista de outubro, para a Folha de S. Paulo, a curadora declarou: "No começo, todo mundo gostou muito do título, pois acho que as pessoas precisam de uma utopia. Mas à medida que eu ia escolhendo as obras e conversando com os artistas, encontrei muitos que não acreditam no como-viver-junto".

O tema da Bienal e a escolha de diversas obras com caráter político e de ativismo geraram divergentes opiniões. A boliviana Maria Galindo, fundadora do coletivo feminista "Mujeres Creando" e participante da mostra, disse, em entrevista ao UOL, que "O tema me parece absolutamente falso e insuficiente, digno da superficialidade com a qual hoje em dia se fala de política, de democracia, do outro ou de justiça. Me desagradou muito e sem dúvida não passou de umas quantas letras - que já não seduzem ninguém - escritas num letreiro".

Já para a dupla de artistas Gilda Mantilla e Raimond Chaves presentes na Bienal com os projetos "Dibujando América" e "Dibujando B...", o tema da Bienal soa melhor quando se transforma numa pergunta, demonstrando certo ceticismo. "Pensamos que o lema 'Como Viver Junto' funciona melhor se tomado como pergunta que como afirmação ou constatação. (...) Por outro lado, o mundo é cada vez menos vivível e não sabemos até que ponto nossa experiência 'in vitro' possa aplicar-se ou servir de guia. O tema encerra uma boa intenção ou algo mais neutro, algo como uma predisposição. Talvez, diante do estado atual do mundo, isso não seja suficiente e o que de verdade valha a pena pensar é se se pode viver de outras maneiras", afirma a dupla.

Para a crítica inglesa Claire Bishop, especialista em arte social, "as pessoas podem se sentir desconfortáveis com alguns dos projetos exibidos, porque eles operam com um pé no domínio da arte contemporânea e outro no âmbito do chamado 'mundo real'. Temos que aprender a viver com esse desconforto, que é algo comparável ao final dos anos 60, quando artistas começaram a desmaterializar o objeto de arte e trabalhar conceitualmente", diz a crítica inglesa.

A jornalista Maria Hirszman, no artigo "Em cena, a arte engajada" do jornal O Estado de S. Paulo, viu nesta Bienal uma atualização do pensamento da década 60: "Cansada do isolamento das torres de marfim do formalismo e abalada pelo acirramento das tensões no início deste novo milênio, surge uma nova geração disposta a arriscar-se mais em busca de uma arte confessional, de defesa engajada de determinados princípios ou ideologias".

Em sua coluna na Folha de S. Paulo, o escritor Bernardo Carvalho, em seu artigo "Arte, terceiro setor", diz que "Jogando a favor do vento, a curadoria da mostra (mas não só ela, já que a idéia está no ar) resolveu a contradição de um modo curioso: como não pode eliminar o mercado no qual a própria Bienal está inserida, optou por abolir o artista e a arte, sob o espírito das ONGs, substituindo o valor da individualidade autoral pela ação comunitária e o bem comum. Como me disse um artista: se viver junto é isso, me deixem sozinho".

Já o crítico de arte Jorge Coli adotou um tom mais severo em seu artigo "A vanguarda do tédio", publicado também na Folha. "A crença pode ser sincera, ingênua e pura: deve ser esse o caso das convicções que presidem a 27ª Bienal. Mas não importa: ao afirmar-se como impositiva, a mostra elimina debate e contradição. (...) Na atual mostra, os artistas não vivem juntos; vivem debaixo: da idéia, do conceito, das determinações imperiosas".

Juliana Monachesi, em sua crítica "Na mostra, a ética eclipsou a estética", publicada na Ilustrada, escreveu: "A prerrogativa ética em detrimento da estética é ainda mais evidente nos projetos colaborativos: Tadej Pogacar & Daspu, Eloisa Cartonera, Taller Popular de Serigrafía, Long March Project. Causas nobres -defesa de minorias, de economias paralelas, do direito à manifestação política, das práticas artesanais etc.- cuja apresentação em um espaço dedicado à arte peca pela ausência de qualquer tipo de transcendência".

A curadora Lisette Lagnado, em entrevista ao UOL, anterior às críticas acima, também falou a respeito da polêmica envolvendo o tema da exposição: "É arte? Não sei. Para os puristas, talvez não seja, mas eu sou do partido de que a arte deve transformar o mundo. Isto passa pelos criadores. Eu acho que, indo por aí, o arquiteto é, o artista é "criador". Pessoas que trabalham em coletividade, sobre a coletividade. Não sei se é ativismo social, eu também não tenho simpatia por esta nomenclatura. Eu tenho simpatia por micropolíticas de resistências, porque acho que é a única coisa que a gente pode fazer. Depois de tudo o que aconteceu politicamente neste país recentemente, acho que agora sabemos que só se pode atuar em nível micro celular".

Sobre algumas críticas realizadas, a curadora Lisette Lagnado, em sua entrevista com o artista suíço Thomas Hirschhorn, publicada no site da revista Trópico, afirma: "A imprensa brasileira, após uma ótima recepção do projeto da Bienal no decorrer do ano, deu voz à intelligentsia que desconhece as práticas artísticas contemporâneas. Uma das expressões depreciativas mais recorrentes é: "Bienal politicamente correta, monótona, atapetada de bons sentimentos". Em oposição à intelligentsia (que já irritava Hélio Oiticica e Glauber Rocha nos anos 1960 em diante), agora a crítica amadorística, que deveria reler Jacques Rancière, armou-se de coragem para endossar este viés e afirmar que a mostra seguiu "a prerrogativa ética em detrimento da estética" e que, portanto, "peca pela ausência de qualquer tipo de transcendência".
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